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Contos-->O Segredo de Nonato -- 07/02/2004 - 20:33 (Dulce Baptista) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Segredo de Nonato

Cem mil dólares, nem mais nem menos. Nonato soube que era esse o montante porque havia um recibo especificando a quantia. No mais, não teria como saber exatamente, e a priori, o quanto somariam todas aquelas notas verdes cuidadosamente dispostas em montinhos iguais dentro da pasta que encontrara no banheiro da estação rodoviária.

Encontrara e levara para seu quarto, o pequeno cômodo alugado em que residia. Poderia ter entregue imediatamente à administração, simplesmente ter deixado lá, ou avisado pelo microfone para que o dono, certamente desesperado àquelas alturas, viesse recuperar o tesouro perdido.

Tal tesouro não passara inclusive de uma pasta, no momento em que Nonato a viu, a alça para cima, como que implorando a alguém que não a deixasse só naquele chão imundo de banheiro público, encostada no ladrilho frio da parede. Uma pasta preta de couro, sem qualquer indicação externa de conteúdo ou proprietário.

O hábito de varrer e limpar tudo o que visse pela frente impeliu o gari a recolher o objeto abandonado. Levá-lo para casa, abrir para ver do que se tratava - papéis, dinheiro, o que fosse - para então tomar alguma providência. Não pretendia roubar ninguém, mas dependendo do que encontrasse, ora bolas, achado não é roubado, assim pensou, e tranqüilamente pegou a pasta sem abrí-la - faria isso em casa - segurando-a sob o agasalho de chuva que carregava numa das mãos, o tíquete da passagem na outra. A viagem rumo à Ceilândia pareceu-lhe mais longa que de costume.

Já sozinho com suas paredes, tentou abrir e não conseguiu. É claro que havia uma senha, um segredo. Tentou com chave de fenda, alicate, martelo. Nada feito. O máximo que conseguia era um entortamento, uns estalos, nada que fizesse romper fechaduras. Resolveu então pedir emprestados machado e serrote na vizinhança. Não dormiria sem resolver o problema.

Dez da noite, o homem retornava do boteco onde fizera um lanche de misto quente e café com leite. Trazia serrote e machado que, segundo explicara ao dono do boteco, serviriam para consertar um armário empenado.

Trancando-se novamente, sentou na cama, colocou a pasta sobre o banco de fórmica que havia junto à mesma e, depois de tentar mais uma vez com a chave de fenda sem conseguir nada, resolveu-se. Suando em bicas, deu umas machadadas fortes. Nem precisou do serrote. Conseguindo finalmente quebrar a tampa, as mãos trabalharam com força para romper pedaços, desimpedir a visão e possibilitar movimentos que lhe permitissem entender o que a tal da pasta continha.

Surpresa: jamais lhe passara pela cabeça que se tratava de grana estrangeira. Cem mil dólares, dizia o recibo. Removeu sofregamente todos os restos de tampa, enchendo o quarto de pedaços de material rígido - sabe lá se madeira ou plástico - forrado de couro. Leu o recibo novamente, procurando entender o nome impresso em vermelho, mas só o que captou foi a quantia, mais nada.

E então, a dúvida: o que fazer. Se fossem reais, não haveria problema. Gastaria aos poucos em antigos projetos. Quem sabe um carro usado, uma viagem ao Ceará, um quartinho maior... seriam infinitas as possibilidades, principalmente diante do desconhecimento total de quem poderia ter largado toda aquela fortuna ao léu. O cara bem podia ser um muambeiro qualquer - ninguém esquece tanta grana à toa - e ladrão que rouba ladrão...Com essas reflexões, Nonato procurava legitimar para si próprio a posse de algo que não lhe pertencia.

O único e incontornável problema é que eram dólares, e muitos, o que tinha diante de si. Nonato nem sonhava o quanto valeriam em reais. Ademais, como que ele, simples gari, poderia ter posto as mãos naquela dinheirama, ele que sequer tinha visto um dólar em toda a sua vida?

Quanto mais pensava, pior ficava. Primeiro, precisaria trocar. Onde? Não tinha idéia. Segundo, não poderia perguntar aos outros; seus conhecidos eram tão ignorantes quanto ele... já os sabidos desconfiariam. Lembrou-se ainda que vez por outra ouvia notícias de gente que era denunciada à Justiça por causa de dólares guardados em casa. Refletia que é mais fácil o cabra ir em cana por causa de dinheiro guardado do que por crime de morte.

Em seu caso, pensava inquieto, não haveria escapatória, já que sequer saberia dar explicações, nada que de longe se parecesse com o palavrório dos bacanas. E agora então, menos ainda, com o diabo da pasta destruída a golpes de machado. Dando tratos à bola tomou um banho para ao menos se livrar do calor insuportável que sentia. Sem chegar a conclusão nenhuma e já vencido pelo sono, acabou jogando o corpo franzino na cama, em meio a ferramentas espalhadas, pedaços de pasta, peças de roupa, e dólares, muitos dólares, tudo isso em seu minúsculo quarto de gari.

O despertador chamou e Nonato virou-se para o outro lado. Estava escuro ainda às seis da manhã, horário de verão, o sono foi mais forte. Pela primeira vez na vida, Nonato perdeu a hora. Só conseguiu acordar mais tarde, bem mais tarde, com um barulho estranho, assustador. Verificou o relógio: nove e meia.

Os olhos o levavam de volta ao dilema da véspera, enquanto os ouvidos identificavam o barulho de uma sirene de polícia. Havia, sem dúvida, um camburão nas proximidades. Suando frio e aos atropelos, o gari foi amontoando tudo dentro do guarda-roupa empenado.

Vestiu-se correndo, tentaria justificar o atraso, faria qualquer coisa, contanto que chegasse são e salvo à rodoviária. Documentos no bolso, porta bem trancada, ganhou a rua. Na primeira esquina, eis a cena: policiais revistavam um homem enquanto outro era algemado. Transeuntes em torno aplaudiam. Os assaltantes haviam sido apanhados em flagrante na porta da lanchonete.

Apressando o passo, alcançou o ponto de ônibus. No longo trajeto da Ceilândia à rodoviária, foi tomando uma decisão. Com o salário a ser recebido em dois dias, mais uns trocados que conseguira guardar, pagaria o aluguel e se mandaria de uma vez para o Ceará. Sem deixar vestígio.

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