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Artigos-->Expressionismo, irracionalismo, nazismo... -- 22/07/2002 - 12:00 (Dante Gatto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Expressionismo, irracionalismo, nazismo...



O século XX daria coordenadas absolutamente inéditas ao mundo. As bases da sociabilidade moderna seriam radicalmente alteradas. A Revolução Russa, a falência do socialismo no Ocidente, a Primeira Guerra Mundial e a crise do liberalismo, acabando definitivamente com o sonho burguês de perenidade, significaram o questionamento de uma determinada idéia de razão e racionalidade, e anunciavam os movimentos fascistas.



Segundo Peixoto (1982: 9-10 passim) os modos de pensar e sentir tradicionais sofreram uma completa revolução. A primeira cultura autenticamente moderna se desenvolveu na Alemanha Weimariana. Berlim era então a capital européia da diversão, da transformação dos costumes e da radicalização política. Posicionamentos radicais e antagônicos caracterizavam o “espírito do tempo”: Thomas Mann e Brechet, o expressionismo e Bauhaus, Heidegger e Rosa Luxemburgo. A sensibilidade passa a ser condicionada pelo novo ritmo. O cinema, a multidão, a velocidade cibernética: gestos bruscos e rápidos dos movimentos mecânicos, inacessíveis ao olhar humano, impossíveis de serem reproduzidas pelo nosso corpo. “A experiência moderna da desregulação” tem a técnica em sua origem. O aperfeiçoamento das máquinas e o aproveitamento da eletricidade resultam num súbito e desarticulado progresso. Cresce vertiginosamente o comércio, fomenta-se o transporte e multiplica-se a produção, que, processada em larga escala, abarrota os entrepostos, gerando a rivalidade do comércio internacional.



A revolução burguesa passa a ser a revolução dos banqueiros. A inflação e a crise econômica na Alemanha quebraram o encadeamento que fazia com que as mercadorias encontrassem seu correspondente monetário. Tempo vertiginoso este, cuja especulação estabelecia a tensão do capitalismo moderno. O circuito das trocas ameaçava uma ruptura em conseqüência da automatização crescente do capital financeiro. Os conflitos incessantes, determinados pelos vários grupos sociais para estabelecer uma dada divisão dos produtos, exigiam uma nova forma de repartição das mercadorias e impunham a adaptação dos setores produtivos. Resultado e causa deste processo: as mercadorias passaram a estabelecer diretamente sua proporção recíproca, sem apelo a qualquer padrão exterior. Eis, pois, a crise da representação.



O universo da representação, a época clássica do desenvolvimento mercantil capitalista implicava a própria inserção na totalidade, na ordem da produção e das trocas, da cultura e da linguagem, atribuindo substâncias universais que propiciavam a sua localização e proporcionalização. A modernidade iria bloquear e explodir esse sistema, criando um novo mundo, sem espessura. É o movimento incessante que, como uma força centrípeta, dispõe os objetos fragmentados e dá aos indivíduos a possibilidade de se perceberem e se localizarem nesta dispersão. “Da ruptura da representação, da dissolução e perda das identidades constituídas por seu mecanismo de expressão, nascem a experiência e o pensamento moderno” (id.; ibid.: 10).



Como não poderia deixar de ser, a crise da representação atinge também a arte. É justamente quando as mercadorias são tomadas por elas próprias, a arte moderna “volta-se para a desconstrução das boas formas antigas, torna-se crítica. Incide sobre o aspecto formal, plástico, das obras, mais do que sobre o seu significado” (Id.; ibid.: 12). Neste período, da “vertigem da desordem,” o papel da arte é dissolver tudo o que se apresenta como ordem, o que tem proporção e equilíbrio. A arte reflete a sociedade em decomposição. Um crescente sentimento de horror monopoliza toda uma geração: a guerra, a inflação, a metrópole engolida pela miséria. Nasce o expressionismo. O impulso interior e a visão ganham seu papel nessa revolta contra a realidade: um protesto contra o esfacelamento e a destruição do homem. As puras formas de expressão, pela primeira vez, são liberadas, atingindo todas as formas artísticas num clima de utopia, de angústia e de revolta. A síntese de tudo isto é o irracionalismo.



A ligação amorosa da irracionalidade com a morte tem, na filosofia de Heidegger, a representação de maior alcance. Os leitores de O ser e o tempo, de 1927, despertaram para a capacidade de deixar florescer as coisas como efetivamente são. O ser reside na linguagem, no simples dizer e na poesia e não no conceito e na técnica: “o sujeito se eclipsa ao prescindir da mediação e da razão” (Id.; Ibid.: 16).



Qualquer que fosse a importância filosófica precisa de O ser e o tempo e dos trabalhos que o cercam, afirma Peter Gay (1978: 100), a obra de Heidegger acabava por resultar em uma exaltação dos movimentos como o dos Nazistas “que pensavam com seu sangue, cultuavam o líder carismático, elogiavam e praticavam crimes, e esperavam alijar a razão &
61485; para sempre &
61485; no abraço óbvio dessa vida que é a morte”. No entanto, enfatiza Gay, nem todos que leram Heidegger tornaram-se Nazistas pelo fato de o terem lido. Muitos o apreciavam e atribuíam-lhe importância &
61485; existencialistas, filósofos, cristãos, etc. &
61485; preocupados com a questão suprema do Ser. O fato é que ele “não dava a ninguém motivos para não ser um nazista, e dava muitos motivos para ser um”.



Com Heidegger, conforme Vamireh Chacon (1979: 21), temos o último grande momento do idealismo alemão. Seu especial culto aos gregos é um fator determinante desta afirmação. Na tradição cultural alemã, a presença daquele povo é decisiva: “tranqüila em Kant, misteriosa em Hegel, explosiva em Nietzsche”. Heidegger viria a negar a queda desse idealismo, transferindo a responsabilidade aos “filhos bastardos que mal importaram a tecnologia”.



Nietzsche sintetiza a rebelião moderna contra o burguês glacial e reificado. Na modernidade, à embriaguez dionisíaca temos “a embriaguez da grande cidade”. Dioniso, como signo de uma fuga imaginária e abstrata na anarquia, pôs o momento em slogan de uma revolta obscura do sujeito contra a objetividade. No entanto, agora, a linguagem da embriaguez total não tem o poder de levar à luz e à Grécia. Seu hino à barbárie encontra na besta loura a disposição de dominar.

Dioniso é o signo daquilo que ainda não aconteceu, que é embrionário no homem. A vontade de poder é um impulso à frente e como o eterno retorno contém a concepção da vida como fluxo. Interpretar a vontade de poder como desejo de dominar implica uma dependência aos valores estabelecidos, únicos que podem reconhecer o mais poderoso diante dos eventuais conflitos. Ora, não é neste sentido que Nietzsche coloca o seu princípio. Desejo de domínio, para ele, não consiste em cobiçar ou em tomar, mas sim numa virtude generosa (Deleuze; 1994: 73). O Poder, como vontade de poder, não é o que a vontade quer, mas aquilo que quer na vontade.



A época, no entanto, não era forte o bastante para sustentar o mundo espiritual de raiz nietzscheana. A existência deslizava para um mundo sem a profundidade que restitui ao homem o que lhe é essencial. Todas as coisas escorregavam para o mesmo nível, impossibilitando o reconhecimento daquilo que seja superior. Do desvirtuamento do mundo, por um lado, nasce a opção pela morte; por outro, a dimensão dominante se tornou a da extensão e do número.



“Capacidade já não significava a potência e prodigalidade, advindas de uma alta superabundância e do domínio das forças, mas do exercício de uma rotina, suscetível de ser aprendida por todos e dependente sempre de certo suor e esforço.” (CHACON; op. cit.: 21)



A cultura mantinha com a sociedade uma interação contínua e tensa como expressão e crítica das realidades políticas. As três vidas Bauhaus, por exemplo, cf. Gay (op. cit.: 140), são expressivas dos três períodos da própria República: no começo, empreendimentos experimentais; em seguida, realizações mais seguras e, no final, pessimismo alucinado.



Como explica Maria Rita Kehl (1989: 480-1), a repressão bem sucedida não deixa traços. A malsucedida, por sua vez, “deixa os sintomas, tentativas canhestras da psique de dar expressão ao que não pode ser dito, de trazer à luz o que está mantido à força, na obscuridade”. A energia do desejo não fica reprimida, mas a idéia que está associada ao desejo. A energia (afeto) fica livre e dissociada do seu conteúdo, ligando-se a outros conteúdos e desse modo gerando os sintomas. Isto eqüivale dizer que o neurótico anseia e não sabe pelo quê (como a professora de amor que se adaptara). Mesmo que pense saber, uma vez que “os mecanismos de defesa do ego estabelecem uma coerência entre a personalidade e seus sintomas”, não entendem porque não encontram prazer (como a professora de amor que, como vimos, “não discutia se era feliz, não percebia a própria infelicidade”.). Completa Kehl (loc. cit.):



“a repressão é um mecanismo insuficiente para dar conta do excesso de energia que não encontra meios de descarga. A repressão dissocia, aliena, faz da pessoa uma cega para os seus desejos, ignorante sobre o que é bom para ela”.



Um estado propício, aliás, argumenta Kehl (loc. cit.) para se tornar presa imbele de lideres totalitários que “prometem alívio para as angústias de prazer que acompanham todas as tentativas de retorno do reprimido” em troca da adesão total a sua liderança. A repressão, portanto, torna-se condição da obediência: “quem não sabe o que quer, quer aquilo que lhe dizem o que ele deve querer.” Não é outra a razão que explica a adesão do “pobre povo alemão” ao nazismo. “A energia desprovida de significados torna-se matéria bruta das paixões.”



Referências Bibliográficas



CHACON, V. Heidegger e a tragédia do Ocidente. Revista Brasileira de Filosofia. v.xxx, p.11-26, 1979.

DELEUZE, G. Nietzsche. Trad. Alberto Campos. Lisboa: edições 70, 1994.

GAY, P. A cultura de Weimar. Trad. Laura Lúcia da Costa Braga. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

KEHL, M. R. A psicanálise e o domínio das paixões. In: CARDOSO, S. et al. Os sentidos da paixão. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 469-496.

PEIXOTO, N. B. A sedução da barbárie: o marxismo na modernidade. São Paulo: Brasiliense, 1982.



Dante Gatto

Professor da UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso)

gattod@terra.com.br

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