Puxou de dentro da alma elementos que nunca imaginou existir. Certamente carregado pela música, penetrou num profundo delírio no qual misturavam-se cores, água, fogo, barro, céu e outros que ainda não foram identificados. Agradou-se tanto daquela realidade que por tempos não a abandonou, fazendo-se a comunicação difícil aos não falantes de sua língua.
A cadeira de balanço, no centro da sala, era um dos lugares prediletos em que depositava seu corpo. Exceto nos dias de sol forte que caminhava à sombra da árvore. A verdade é que não escreveu durante esta viagem, porém muito pintou e rabiscava, com o leite das "Chagas de Cristo", a calçada em frente ao mar. Entre os rabiscos, apenas um era letra, o "B" - e também não descobri o motivo.
Eu tonava o café-da-manhã, sentado ao lado do rádio - que me informava quaisquer bobagens -, quando cessou sua mudez. A nitidez de suas idéias faziam-me pensar que estaria novamente ligado à nossa realidade, mas a gargalhada que soltara depois da palestra me assustou bastante. Bateu a porta devaneando rumo à sombra, e só tornei a vê-lo quando os pássaros retornavam ao ninho. Entrou feito um furacão, desatando a gritar:
"Aos que pensam em revolução e esperam por ela eu vomito. É sim, eu vomito! Eu sou a revolução! Sou a revolução, sim! Vem de dentro, lá do fundo! Levante o tapete agora e veja se ela está lá, levante! É claro que não! Não, não e não! Agora olhe para você, esse trapo de gente que não conhece a si. Quem é você? Aonde você chegou nesses anos todos em que corta a madeira que não é para você? Mesmo sendo! O que é amor? Quem é você? A revolução? - e gargalhava sem parar. Que merda, que merda a sua casa, seu carro, o seu jardim, o seu cachorro. Para quê? Vai me morder, me levar, me plantar, me proteger, me machucar? Eu vou vomitar sim, apenas pelo fato de ninguém gostar. O que te perturba, o cheiro, a estética? A estética do cheiro, essa é boa. Quem é você? Porra, quem é você? É o fim! É o fim..."