CIDADES BARROCAS
Poema de Antonio Miranda
“De tudo que deixei perco a memória”.
CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
I
Naquela madrugada fria e umbrosa
chego a Ouro Preto, de ônibus
pelas corcovas dos montes
vencendo estreitos caminhos:
jovem, na neblina, farejo
odores curtidos, madeiras
carcomidas, pedras suadas
sob os passos apressados.
Das janelas antigas e severas
mortos observam os transeuntes
como fogos-fátuos assustados
em chama eterna, inquietos.
Cruzo “régias pontes sobre
grossos arcos” na companhia
de Cláudio Manoel da Costa
-nubívago árcade inconfidente.
Gonzaga, Cláudio, Alvarenga
tocando albas ovelhas e frautas
num conspiração de sarau
que acabou em desterro e esquartejo.
Em que “foi preso simples alferes
que só tinha um bacamarte”
-diz-nos Cecília Meireles
no Romanceiro de Minas.
II
Cimalhas e gelosias de sobrados
enobrecidos, envergonhados, encardidos
nas ladeiras lúbricas, ladeados
ostentando luxos esquecidos
Visão fugaz de tempos idos
de ilustres gentis-homens, foragidos
escravos prófugos, clérigos possessos
Marílias e Dirceus em versos.
Na Igreja, São Francisco pintado
no teto, numa cabana de índios.
As velhas minas feridas, violadas
violentadas, vazias, esgotadas.
Em Congonhas, a genialidade
mulata do Aleijadinho (no dizer
de Afonso Arinos de Melo Franco)
na pedra-sabão de sua agonia.
Em Mariana, lado a lado
janelas e portas de igrejas
na praça, dialogam, seculares
e revelam graves segredos.
Igrejas brancas, debruadas
em azuis imorredouros
co´as paredes debruçadas
sobre as luzes de seus ouros.
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Este poema faz parte do projeto de livro TERRA BRASILIS, em preparo, ver em www.antoniomiranda.com.br
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