O que temos certeza sobre o evangelho de Judas é que foi escrito por cristão gnóstico e que ele não é menos autêntico do que os outros evangelhos. Se no ano 180, o bispo Irineu fez severa crítica a ele, isso é prova de que ele refletia o pensamento de parte do cristianismo, pensamento esse rejeitado pela ala cristã predominante em Roma. Mas, aliado ao outros evangelhos excluídos pela igreja e os próprios canônicos, é uma prova de que o cristianismo foi desenvolvido gradativamente entre grupos de pensamentos diversos, vindo um desses grupos a eliminar os outros e passar a ser considerado o cristianismo verdadeiro.
"Apresentar Judas como alguém que agiu a serviço de Jesus é uma história bastante diferente das contadas em todas as fontes disponíveis - os evangelhos canônicos, o Atos dos Apóstolos e os textos apócrifos. Mas, antes mesmo da descoberta do novo evangelho, outros textos já passavam longe de pintar Judas como grande vilão da história, ou então como uma pessoa gananciosa e demoníaca. O Evangelho de Marcos, escrito por volta de 65 d.C. e considerado pelos historiadores o mais velho entre os 4 canônicos, cita Judas nominalmente apenas 3 vezes, afirma ser ele o responsável pela traição mas diz que a recompensa em dinheiro foi oferecida pelos sacerdotes.
A partir daí, a imagem de Judas na Bíblia vai se tornando progressivamente má. Mateus, escrito por volta do ano 80 e o segundo mais antigo, atribui a traição à ganância de Judas, dizendo que teria denunciado Jesus em troca das famosas 30 moedas de prata - o preço de um escravo na época. Mas relata seu remorso ao ver que Cristo foi condenado e conta que Judas reconheceu que tinha entregado um justo, devolvendo as moedas e depois se enforcando. Lucas, o seguinte na lista, diz que "Satanás entrou em Judas" e, por isso, ele traiu Cristo. O texto de João, que teria sido escrito no início do século 2, diz que, além de possuído pelo demônio, Judas também era ganancioso e ladrão.
Em textos apócrifos, outras hipóteses são levantadas. Uma delas diz que os primeiros cristãos esperavam que Jesus lutasse com armas contra Roma. Decepcionado com a covardia do mestre, Judas o teria entregado. Outra versão diz que, ao delatar Jesus, Judas pretendia precipitar uma revolta no povo de Jerusalém, que libertaria seu líder e o colocaria no trono. Uma espécie de golpe à Jânio Quadros - só que, enquanto Jânio foi para casa, o erro estratégico de Judas levou seu líder à cruz. Para Craig Evens, estudioso de assuntos bíblicos do Acadia Divinity College, no Canadá, tantas versões distintas sobre o mesmo tema revelam muito sobre a Bíblia. "Um dos evangelhos afirma que Judas agiu por dinheiro, outro não cita motivações, dois falam em ação demoníaca. Creio que essas versões tão distintas deixam claro que os escritores do Novo Testamento não sabiam exatamente quem era Judas Iscariotes." " (Superinteressante, maio/2006).
O Evangelho de Judas diz que, longe de ser um traidor, Judas fez o que Jesus determinou, sendo assim o mais importante dos apóstolos.
"A dúvida que fica é como um grupo de gnósticos concluiu que o suposto vilão é o verdadeiro mocinho da história. Na Bíblia, há duas versões para o destino de Judas. O Evangelho de Mateus conta que, tomado de remorso, ele devolveu as 30 moedas que havia recebido pela traição e se enforcou. Mas, segundo o Atos dos Apóstolos, Judas comprou um terreno com o dinheiro e, "tombando para a frente, arrebentou-se pelo meio, e todas as entranhas se derramaram". "As versões da morte de Judas narradas na Bíblia são inconciliáveis, mas são os únicos relatos que temos", afirma Chevitarese" (Idem).
Levando-se em conta que os evangelhos selecionados como canônicos e o livro Atos dos Apóstolos dão versões diferentes para a morte de Judas, além de cada evangelho em ordem cronológica dar uma versão mais sinistra para a pessoa de Judas; e ainda considerando-se que há outros evangelhos que apresentam motivos diferentes para o seu comportamento; o evangelho de Judas não é menos digno de credibilidade do que os outros que estão da Bíblia. Diante do silencio ensurdecedor sobre Jesus em seus dias, nada tendo dito sobre ele historiadores da época, o Evangelho de Judas, em conjunto com os outros excluídos e os canônicos é um testemunho de que o cristianismo hoje conhecido é o produto do prevalecimento de um dos muitos e confusos grupos religiosos formado em torno de uma pessoa de cuja existência há cada vez mais dúvida. O evangelho de Judas só reforça o que já sabíamos por outras fontes, inclusive os evangelhos canônicos: o cristianismo nunca foi um doutrina unânime, vindo a unificar-se só com a assunção do poder pela igreja romana.