Curso de xilogravura em Amambay e Lívio Abramo e a imprensa
L. C. Vinholes
07.04.025
Redijo este artigo como um complemento ao que já escrevi sobre a figura icônica de Livio Abramo e suas atividades em terra guarani, onde compartilhou seus saberes e deixou marcas de seus conhecimentos.
Em outubro de 1970, depois de muita negociação e acertos com o prefeito de Pedro Juan Caballero José Carlos Acevedo[i], Lívio Abramo, sempre prestativo, ministrou um curso de xilogravura oferecido à comunidade daquela cidade fronteiriça, capital do Departamento de Amambay, no qual inscreveram-se mais de vinte interessadas, sendo treze o número das que assimilaram, com proveito, os princípios básicos da arte da xilogravura, a gravura que utiliza a madeira como suporte.
Colaborando para a concretização do curso, em viagem a São Paulo, por recomendação de Lívio, adquiri, na papelaria da Praça da República, o equipamento básico indispensável: estojos com cinco coifas de ângulo reto e meio círculo, para permitir experimentar diversas maneiras de entalhe, lápis, borrachas e papel de arroz de tamanhos médio e grande.
Estojo com equipamentos para xilogravura
Resultou que um bom número de exercícios práticos realizados durante o curso e, inclusive, exercícios considerados como obra final, passaram pelo crivo dos seus autores e alguns teriam sido abandonados e esquecidos, não fosse minha curiosidade e satisfação com os resultados obtidos. De comum acordo com Lívio, selecionamos os que mais chamavam nossa atenção para serem doados ao Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo (MALG) de Pelotas, e incluídos no acervo da Sétima Coleção, coleção batizada com meu nome.
Fotografia tirada dia 30 de outubro de 1970, no amplo saguão de entrada da Prefeitura de Pedro Juan Caballero, passou a ser, para as participantes, documento de importância artística e social. Um dos convidados para reunião de encerramento do curso declarou, com entusiasmo “nunca tivemos um evento como este”.
Participantes do Curso de xilogravura por Lívio Abramo, acompanhadas pelo mestre, o prefeito de Pedro Juan Caballero José Carlos Acevedo e L. C. Vinholes
Àlbuns de xilogravuras do mestre e seus discípulos
Dia 7 de dezembro de 1969, em cerimônia na Oficina de Gravura do Centro de Estudos Brasileiros, do Itamaraty em Assunção, a Coleção Traga lançou seu segundo álbum, com vinte xilogravuras à cor manualmente produzidas, de Lívio Abramo e de três dos seus mais representativos discípulos: Olga Blinder, Edith Jiménez e Jacinto Rivero. O primeiro álbum dessa coleção, intitulado Os bichos de Jacinto (1968), fora lançado cerca de um ano antes. Edith Jiménez, ex-aluna de Lívio Abramo, recebeu um dos primeiros prêmios da Bienal de São Paulo de 1975 e foi diretora do Curso de gravura em 1976.
Lívio Abramo e discípulos na imprensa brasileira e paraguaia
ABC Collor de 14.12.1969: A ilustração reproduz uma das gravuras de Jacinto Rivero que, com obras de Olga Blinder, Edith Jiménez e Livio Abramo, compõem o álbum de gravuras que a Coleção Traga lançará na próxima semana na Missão Cultural do Brasil (MCB), sob o título Quatro xilogravuras coloridas.
ABC Collor de 14.12. 1969
ABC Collor de 01.08.1970. No Salão de Atos da Prefeitura de Pedro Juan Caballero, recentemente foi inaugurada uma exposição de gravuras do professor Lívio Abramo da MCB. A exposição é patrocinada pelo Governo de Amambay, a MCB no Paraguai, a Prefeitura e o Consulado Privativo do Brasil em Pedro Juan Caballero. A foto mostra parte do público presente: o prefeito, o vice-governador e chefe de polícia Ignácio Aguilera G.
Folha de São Paulo 29.09.1970. Sua obra atesta frequente incidência de temas regionais, sem, entretanto, realçar nesses temas o lado folclórico. O regional, para Livio Abramo, obedece à proposição colocada por Glauber Rocha: “o extremamente regional tem raízes humanas muito profundas e, por isso mesmo, torna-se universal, ou já o é em essência”.
Folha de São Paulo de 29.09.1070
ABC Collor de 10.08.1971. Às 18 horas desta tarde, teve início o evento durante o qual será feita a entrega da carpeta[ii] de gravuras de Jacinto Rivera, às pessoas que fizeram compra. Será realizada na Galeria de Arte da MCB (Av. Marechal Lopez esquina Peru). A carpeta se chama As cidades de Jacinto Rivera e contém cinco gravuras: três coloridas e duas em preto e branco. A carpeta está editada pela Coleção Tagra e é o quarto álbum por ela realizado. Se pode dizer que é o segundo realizado por esse artista. O primeiro foi: Os bicos de Jacinto (1968). Nas gravuras desse segundo álbum Jacinto registrou as imagens por ele sentidas, não faz muito tempo, na visita que fez ao Rio de Janeiro. Estes temas, como contraponto, são completados com aspetos peculiares de Assunção. A edição foi limitada em 40 exemplares, 37 dos quais para venda. O álbum contém também texto de apresentação assinado por Livio Arramo e justificativo da presente impressão. Como garantia para os colecionadores, todas as gravuras estão numeradas e assinadas pelo autor.
Folha de São Paulo de 26.06.1983. Em texto ilustrado com foto de Lívio Abramo e reprodução de sua xilogravura de 1979, intitulada Rio à Noite, o artista, aos 80 anos, é entrevistado por Miguel de Almeida[iii] na data do seu aniversário, manifestando seu desejo de voltar a São Paulo para retratar a vida da cidade grande. O jornalista registra que Lívio “sempre discreto, ainda hoje trata seu trabalho de artista de maneira curiosa. Não se considera, para desespero de outros desqualificados, um artista profissional. Costuma dizer que faz arte nas horas vagas. É modéstia claro”. Continua a entrevista: “A trajetória de Lívio, muito rica e sempre atrás de novas expressões, é marcada pelas preocupações e oscilações comuns aos artistas brasileiros da primeira metade do século. Sem jamais abandoar sua visão social, onde procurava captar o gestual e o sentimental da população paulista, ele ia renovando suas manifestações, como também suas representações”. A entrevista finaliza declarando que “é muito triste se saber que já temos tanto tempo de idade. É olhar pra frente e ver que a estrada não é muito longa. Tenho um pouco de pressa. Não é confortante. Mas ainda tenho ilusões na vida. E isso me ajuda: continuo acreditando em muita coisa de minha juventude. A possibilidade de executá-las me deixa contente.”
No mesmo jornal foi publicado artigo de Ivo Zanini (1929-2013) intitulado: “Nas gravuras o social e o urbano com maestria”. Zanini foi membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte e reconhecido curador e gestor de projetos de fomento às artes.
Folha de São Paulo com entrevista de Miguel e Almeida e artigo de Ivo Zanini
Livio Abramo nasceu em Araraquara, SP, em 1903, e faleceu em Assunção em 1993. Com Carlos Oswald (1882-1971) e Oswaldo Goeldi (1895-1961), formou o trio de referência da arte da gravura brasileira. Quem quiser conhecer mais sobre Lívio Abramo, recomendo a leitura de A arte maior da gravura, de Orlando da Silva, pela Editora Espada, em abril de 1976, com Ilustrações de Marcelo Grassmann[iv].
[i] José Carlos Acevedo (faleceu em 21 de março de 2025, vítima de atentado à bala.
[ii] Carpeta em espanhol é pasta em português, portfólio para guardar documentos. Guardando gravuras, carpeta passa a ser álbum.
[iii] José de Almeida formado pela Faculdade Gaspar Libero de São Paulo (1979) trabalhou para a Folha de São Paulo de 1976 a 1986, cobrindo as áreas de cultura, esportes e política.
[iv] Marcelo Grassmann (1925-2013) renomado gravador e desenhista, dedicou-se também à ilustração.