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Artigos-->ATHOS BULCÃO E MINHAS QUATRO VISITAS -- 13/04/2025 - 11:24 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

ATHOS BULCÃO E MINHAS QUATRO VISITAS

L. C. VINHOLES

13.04 2025

Valendo-me de anotações de fevereiro março, abril e maio de 2007, em 13 de janeiro de 2011, redigi a minuta do que agora, com pequenos acertos, passa a ser o texto definitivo registrando minhas quatro visitas a Athos Bulcão, que se encontrava sob cuidados médicos no Hospital Sarah Brasília, no final do Lago Sul.

Inicialmente, devo esclarecer que as Instrução 61 e Instrução 62, mencionadas nesse texto, são os cartões com 12cm de lado, em branco, mostrando um ponto, traços curtos ou longos, finos ou grossos, acompanhados de instruções/bulas/parâmetros, o primeiro para quatro instrumentos quaisquer e quatro colaboradores, e o segundo para piano ou instrumento de teclado e um colaborador. Colaborador, expressão criada pelo pianista Paulo Affonso de Mura Ferreira, é quem fica encarregado de mostrar os cartões aos executantes.

 

Primeira visita

Em 26 de fevereiro de 2007, às 19h, foi a primeira vez que visitei Athos Bulcão, apresentando-me como amigo do embaixador Wladimir Murtinho e do doutor Ernesto Silva. Para mostrar, levei um exemplar da revista Desing nº 37/1962, com a publicação de minhas Instrução 61 e Instrução 62. Também mostrei os cartões da Instrução 62, girando os cartões de 90 graus para a direita e para a esquerda, e colocando os desenhos nas quatro posições possíveis, chamando a atenção às leituras pelos executantes. Comentei que ficara impressionado com o que lera na imprensa quando ele informava que, livremente, deixava os operários instalarem as cerâmicas/moldes de seus trabalhos. Comentei sobre a fachada do Teatro Nacional e tracei paralelos sobre o que ele dizia e fazia e o que eu pensava e dizia. Ressaltei o fato de que até certas palavras são idênticas. Por exemplo, a palavra “instrução”. Comentei que na década de 1960 me encontrava no Japão e que não sabia da sua existência em Brasília. Com dificuldade, Athos que olhava admirado a página com a Instrução 62, disse “é muito interessante”. Aventei a possibilidade dos cubos da fachada do Teatro Nacional serem de material leve, permitindo que as pessoas modificassem suas posições, criando novas formas e combinações. Athos, com um gesto de cabeça, respondeu que aceitava a ideia e deu um sorriso muito franco.

 Mostrei a foto que tirei na entrada da residência de nossa embaixada em Praia, Cabo Verde, e ele, notando que a cor estava um tanto azulada, imediatamente disse “a cor é verde”. Ele estava acamado e a luz que entrava pela grande parede de vidro do quarto dificultava ver a revista.

 

Entrada da residência da embaixada em Praia, Cabo Verde

 

Recordei que nós havíamos estado juntos na exposição de suas obras na Galeria Athos Bulcão, na parte inferior do Teatro Nacional, ocasião na qual nos cumprimentamos. Neste momento, o secretário/enfermeiro particular Darlon[i] disse que da próxima vez que eu programasse visita, se eu telefonasse com antecedência, prepararia para Athos estar na cadeira, que seria melhor. Falei sobre minha visita, em 8 de fevereiro de 2007, à mostra de suas obras na Galeria Espaço Cultural Contemporâneo (Galeria Ecco)[ii], especialmente tendo chamado minha atenção o catálogo da mostra da Suíça onde está o texto mostrando seu pensamento quanto a construção de suas obras pelos operários.

Segunda visita

No segundo encontro com Athos Bulcão, dia 12 de março de 2007, às 16h30, encontrei-o sentado em sua cadeira de rodas no pátio à beira do Lago Paranoá. Mais uma vez conversamos a respeito da coincidência de nossas expressões com relação ao processo de realização de nossas obras, especialmente a fachada externa do Teatro Nacional e minhas Instruções. Quando mencionei o ano de 1962, o da Instrução 62 e da publicação pela revista Desing, ele referiu-se a presença no Japão do arquiteto Wilson Reis Neto[iii]. Falei sobre Wilson, seu projeto para o Pavilhão Internacional dos Congressos (PIC), no Lago Ashi, em Atami, Japão - Athos tinha conhecimento - e sua personalidade bastante singular. Athos disse que Wilson era uma excelente pessoa, mas completamente louco. Concordei e contei histórias que Wilson contava como verdadeiras, especialmente aquela de sua mãe ter dançado nua em evento realizado no salão do Hotel Nacional, em Brasília, na presença de autoridades e convidados. Athos contou outra história também envolvendo a mãe de Wilson que ele dizia ter manchado de vermelho todo o lençol da cama por causa da menopausa. Athos explicou que Wilson e sua mãe não se davam bem e que ele, para irritá-la, inventava toda sorte de histórias e provocações. Athos comentou que Wilson teve morte muito triste. Quando perguntei do que morrera Athos disse que, conforme Wilson afirmara, fora de lepra, contraída no Japão. Manifestei minha surpresa. Contei o episódio da fotografia de Wilson vestido de moletom colante, todo branco, sentado em uma canoa às margens do Hotel do Lago Ashi, segurando uma rosa e gritando, agora eu vou para a eternidade.

 

 

Wilson Reis Neto em Ashinoko, em Atami,, 1963

 

Falamos também de Gilda, irmã de Wilson, gravadora da qual informei ter algumas gravuras. Athos disse que ela também não era bem certa, pelo seu comportamento.

Comentei sobre meus trabalhos Poema Jardim de Palavras[iv] e Poema Escultura Sol[v], para o projeto do PIC, de Wilson, e sobre o fato de que até hoje não ter conseguido ver as entrevistas estadunidenses que teriam publicado artigos/entrevistas com Wilson, relativas ao seu projeto nas quais teriam sido feitas referências aos meus dois Poemas. Athos recomendou que eu entrasse em contato com o arquiteto Sergio Parada, seu amigo, que poderia ajudar-me. Darlon forneceu-me os dois telefones de Sergio[vi]. Falamos de música e Athos disse que gostava de música antiga. Comentei sobre a música barroca de Minas e ele manifestou desejo de ouvi-la. Prometi levar disco gravado com aquele tipo de música. Prometi também levar o catálogo do projeto de Wilson mandado imprimir pelo governador da Província de Kanagawa,Iwataro Uchiyama. Pouco antes de nos despedirmos, Athos comentou que este ano completaria 89 anos. Felicitei-o e me despedi, pois o vento exigia que se recolhesse aos seus aposentos. Ganhei de presente exemplar do catálogo da mostra da Ecco.

Terceira visita

Combinando por telefone a visita de 11 de abril de 2007, Darlon informou que não estaria para receber-me, mas que informaria a Elisangela que o substituiria. Levei para Athos cópia do CD de música barroca mineira - na realidade 4 missas: duas de Manoel Dias de Oliveira e uma de Joaquim de Paula Souza e José Maurício Nunes Garcia - pelo Coral de Câmara São Paulo e pela Orquestra Engenho Barroca, regida por Naomi Munakata. Olhamos as páginas do catálogo do projeto de Wilson, inclusive as que mostravam meus dois projetos. Chamei a atenção de Athos para o vitral de autoria de Fernando Lemos e ele confirmou que o conheceu. Aproximando-se das 18h, Elisangela providenciou o lanche da tarde, se alimentando via gastrostomia. Comentei que havia entrado em contato com o arquiteto Sergio Parada que me pareceu ser uma pessoa muito gentil e amável. Athos confirmou que sim e disse que ele é muito jovem. Elisangela mostrou-me uma página de revista na qual aparece Sergio, Valéria Cabral[vii] e Karla Osório. Athos disse que estava vendo pessoas no banho e Elisangela disse que ele fez este tipo de comentário quando percebe que as pessoas estão andando pelo corredor. Quando perguntei se eram pessoas que ele conhecia, respondeu que não, que eram funcionários. Athos, a princípio, não estava muito disposto, mas melhorou consideravelmente quando saímos a passear pelos corredores. Mostrei um quadro abstrato, de singular beleza feito por um dos internos, de 38 anos, e Athos olhando atentamente disse “parece Manabu Mabe”. Realmente, afim com a fase geométrica de Mabe. Athos fez questão de me mostrar os painéis verticais do corredor principal com coloração modulada de sua autoria, bem como as duas mandalas situadas no alto das paredes laterais da área dos ginásios. Igualmente comentou os muros externos vazados e coloridos. Elisangela comentou que Athos gosta muito de ver as corujas que viviam nos canteiros e que ficavam no alto dos muros e/ou dos postes. Athos confirmou dizendo são muito interessantes. Contei a piada do português que pensando uma coruja ser um papagaio tentava ensinar-lhe algumas palavras. Quando perguntado se o bicho estava aprendendo, o português respondeu que ainda não falava nada, mas que prestava muita atenção. Athos riu gostosamente. Elisangela contou que levam a Athos ao shopping e ao cinema que ele gosta muito. Athos é muito popular sendo saudado pelas atendentes, uma delas, mais despachada, aproximou-se para saudá-lo, disse que ele estava muito elegante, que parecia um gatão e beijou seu rosto despedindo-se. Seu médico pessoal também passou pelo corredor e despediu-se perguntando: “está tudo bem?”. Ele mesmo respondeu: “tudo bem a não ser aquelas coisas que nos incomodam”. Voltando do passeio, aproveitei para despedir-me prometendo voltar. Athos agradeceu com um claro muito obrigado.

 

Quarta visita

Em 18 de maio de 2007, às 16,55, fiquei pouco tempo, pois Athos se encontrava deitado na cama que fica na enfermaria frente ao lago. Eu não conhecia o rapaz que o acompanhava. Comentei com Athos que nos jornais estavam notícias referentes ao restauro da Igrejinha da 108 Sul, onde estão um dos seus mais belos azulejos. Ele fez um muito pequeno movimento com a boca e sacudiu a cabeça como quem diz tomar conhecimento. Comentei ainda que o Teatro Nacional seria, também, restaurado, mas que a reforma não previa, ainda, a parte externa onde está o seu grande painel com relevos. Fiquei sabendo que ele havia escutado o CD com música barroca mineira que copiei especialmente para satisfazer sua preferência. Foi a última visita.

 

 

[i] Os telefones de Darlon foram retirados do texto.

[ii] A Galeria Espaço Cultural Contemporâneo ficava em Planaltina, DF.

[iii] Wilson Reis Neto (1923-2001) arquiteto, cenógrafo e artista plástico.

[iv] Publicado na revista Info, Vol. IX, nº 5, p. 51, em Tokyo, número especial de maio de 1963, com fotos da maquete e artigo pelo autor. Exibido na IX Exposição do Grupo T Zokei, de 23 a 28/09/1963, na Galeria Mainichi, em Osaka, Japão, e na Exposição de Poesia Concreta, Fonética e Cinética, no St. Catharine´s College, em Cambridge, Reino Unido, de 28/11 a 05/12/1964.

[v] Publicado na revista Info, Vol. IX, nº 5, p. 51, em Tokyo, número especial de maio de 1963, com fotos da maquete e artigo pelo autor. Citado na coluna Estante de Poesia, assinada pela poetisa Stella Leonardos, no Jornal das Letras, de maio de 1967, por ela chamado de palavra-objeto.

[vi] Os telefones de Sérgio Parada foram retirados do texto.

[vii] Valéria Cabral, então secretaria-executiva da Fundação Athos Bulcão.

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