Desde que, pela primeira vez, viajei de Tokyo para Osaka, na Região de Kansai, pernoitei na casa de Michiko e Kenzo Tanaka, casal que, com o passer dos anos, se tornaria tão íntimo que, no trato que recebia e na sintonia do que pensávamos, passei a considerá-lo como se fosse a familia que ganhei nos dez anos de minha estada no Japão.
Os Tanakas moravam em Toyonaka, cidade satélite de Osaka, em casa de dois pisos, com modesto terreno ao seu redor, com caprichado jardim enriquecido por vasos pendentes no muros laterais.
Dando para à rua que passava na frente da casa, numa modesta edificação à parte, estavam o ateliê e o acervo de obras de Tanaka.
Na minha primeira noite no quarto de tatami, me valendo de confortável futon antes de dormir, por algum tempo tive a companhia e a curiosidade do casal de filhos que movimentavam e enriqueciam a casa. Seus nomes Keiko e Shozuke.
Keiko, Shosuke e Vinholes
Para os que não conhecem meus novos parentes vejo-me na obrigação de apresentá-los, embora de maneira sucinta. Kenzo, artista plástico, professor ativo e influente, criador do Grupo Maison de Creación acolhendo artistas da região. Michiko, simpatia em pessoa, anfitriã carismática, mestre em ikebana e cerimônia de chá. Keiko, aplicada nos estudos, balisa da banda da escola, se casou com Chozo, moço de uma das famílias mais ricas na área da construção civil e, com o passer do tempo, criaram e administravam a Wohnen - Residencial Mokuba - uma das pousadas mais sofisticadas nos Alpes da Província de Nagano.
Wohnen - Residencial Mokuba
Shozuke desde menino mostrou interesse pelas ciências, instalou rede de telefones internos ligando todos os comodos da residencia de Toyonaka, tornou-se engenheiro do setor de eletrônicos da Empresa Multinacional Sony do Japão, na qual se aposentou, deixando prontos produtos ainda não lançados. Como manifestação perene de meus agradecimentos, é mister registrar o quanto Shozuke colaborou comigo na leitura e interpretação dos ideogramas nos anos em que me dediquei à tradução dos textos dos poetas japoneses da vanguarda. Shozuke casou-se com a artista plástica Yoshimi que se especializou pintando flores, legando para a posteridade centenas de aquarelas de minúsculas flores silvestres, usadas na decoração do teto de templos budistas Ji-tou-zan An-you-in Ten-jou-ga. Shosuke e Yoshimi tiveram um casal de filhos: Misuka que estudou clarinete e Atsuki que se fez ceramista.
Yoshimi e Shozuke na exposição de setembro de 1995
Kenzo Tanaka, Vinholes, Yoshimi, Misuka e Atsuki
Quem é Atsuki Tanaka
Quando em 2013 Helena e eu visitamos a residência de Yoshimi e Shozuke na nova casa en Okayama, tivemos o prazer de ali receber a visita de Atsuki que, com sua família, morava em Toyonaka, na casa que pertencera a Michiko e Kenzo; disse que viera ao nosso encontro para “cultivar a amizade que tínhamos com seus avós e seus pais. Foi uma temporada curta, mas inesquecível, na qual estávamos acompanhados de nossos sobrinhos Luiza Helena (Leca), médica, e Luiz Eduardo (Dudu), engenheiro. Durante a visita, Atsuki dedicou boa parte do seu tempo para organizar o acervo da rica e preciosa coleção de obras deixada pela saudosa mãe.
Nos últimos momentos da sua visita Atsuki nos surpreendeu e nos presenteou com uma das peças mais belas e charmosas da sua última produção: o vaso intitulado èŒå‹• = Mebae Izuru sobre o qual fez os seguintes comentários: utilizou “course clay”, um tipo de argila de Shigaraki[i], com presença de ferro, na qual as partículas são maiores do que as encontradas na argila comum, mas que não descaracterizam a própria argila.
èŒå‹• = Mebae Izuru
Voltando para casa, Atsuki preparou as informações que eu pedira sobre sua formação e seus feitos. Graduou-se Bacharel em Belas Artes, em 1997, pela Universidade de Artes da Cerâmica de Okinawa; estudou com os professores Kouchi Takita, Jissei Ohomine, Yasutaka Kawahara e o com o professor visitante Tsunehide Shimabukuro, De 1998 a 2003, residiu em Kyoto para estudar “cerâmica artística” sob a orientação do professor Kenriyo Murata e produzir suas primeiras peças. Depois desse período criou suas obras de arte. Sobre a peça acima citada comentou que o esmalte é fosco de alumina e a cor é baseada no elemento cobre, que o calor do fogo para oxidação alcança 1.210 graus centigrados e que a decoração é a chamada Tsutsugaki, técnica que consiste em espremer o barro colocado em um saco. Completou informando que se inspirou na beleza do mundo das antiguidades e as formas e modelos da cultura folclórica japonesa e que o título completo do vaso é ç™½ç·‘é‡‰ç’æå¹¾ä½•æ–‡ç“¶ = byaku-roku-yuu tsutsu-gaki kika-mon hei = verde claro, padrão geométrico decorado com lama, vaso de flores. Esta obra esteve em 2022 na A 69ª Exposição de Artesanato Tradicional do Japão,
Não pode deixar de ser mencionado o presente anteriormente recebido de Atsuki, um magnífico vaso para flores, com motivos geométricos e superfície verde pálido, produzido em 2010, em forma cilíndrica de garrafa (17,0cm), gargalo piramidal (7,0cm), boca com 3,0cm que está cuidadosamente preservado no acervo do MALG, enriquecendo a presença dos Tanakas nas coleções do museu.
Vaso doado pelo ceramista Atsuki Tanaka
Recentes atividades de Atsuki
Na última troca de correspondência que tivemos, Atsuki informou que suas mais recentes atividades foram, em 2022, a 69ª Exposição de Artesanato Tradicional Japonês, na super-loja Nihonbashi Mitsukoshi, em Tokyo, que essa obra percorreu onze cidades em todo o país; e, em 2024, mais a 52ª Exposição do Clube dos Ceramistas, patrocinadas pela Associação de Artesanato do Japão, e a Exposição de Artesanato Tradicional Japonês Kinki[ii], promovida pela filial Kinki da Associação de Artesanato do Japão, merecendo o Prêmio de Incentivo da Associação de Artesanato do Japão. Atualmente, Atsuki é membro associado da Associação de Kogei[iii] do Japão, da Universidade de Artes de Osaka.
[i] Shigaraki é cidade japonesa conhecida pela sua produção de cerâmica de qualidade, fica na região de Koka, Província de Shiga, próxima de Kyoto e Nara
[ii] Kinki (è¿‘ç•¿) é o nome da Região de Kansai que inclui as prefeituras de Mie, Nara, Wakayama, Kyoto, Osaka, Hyogo e Shiga.
[iii] Kogei (工芸) é como os japonês se referem aos artesanatos tradicionais e artes aplicadas do Japão, incluindo disciplinas, tais como cerâmica, laca, tecelagem, metalurgia, marcenaria e produção de papel.