QUANDO O AMOR NÃO ACABA - capítulo II
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Tive que interromper a narrativa por algum tempo. Meus olhos encheram-se de lágrimas e a dor em meu peito tornou-se insuportável. Desculpe-me leitor, mas não tive condições de continuar. Foi preciso deixar a dor passar para que eu conseguisse tirar de mim as lembranças que continuarei a narrar, sem que os últimos fios que me prendem à vida fossem juntos.
Não sei quanto tempo ficamos ali, encostados àquele carro. Sei que em dado momento chegou aos nossos ouvindo o som de uma música.
-- Está começando o baile -- disse ela.
-- É mesmo! O baile ainda é realizado no mesmo lugar?
-- É sim -- confirmou ela. -- Vamos dançar?
--Não sei. Você quer ir? -- perguntei.
-- Quero -- respondeu ela com entusiasmo.
Eu não sabia dançar. Mas isso era o que menos importava; pois não deixaria de realizar suas vontades por nada deste mundo.
Comprei os ingressos e entramos.
No pequeno salão, não havia decoração. Somente uma luz violeta piscando o tempo todo naquele ambiente de pouca luz. Talvez por ser ainda cedo, não havia quase ninguém.
-- Tá vazio! -- comentei.
-- É. Nem tem graça de dançar – disse ela. -- Você quer dançar?
-- Ah, não sei! Eu nem sei dançar.
-- Você não sabe dançar? -- inquiriu ela com espanto. -- Mentira!
-- É sério! Eu nunca fui a um baile porque não sei dançar.
-- Então vem cá que eu vou te ensinar.
Fomos para o meio do salão. Tocava uma música romântica, porém não me recordo mais de qual canção se tratava.
Primeiro, Diana me explicou como dar os passos; depois, pegou em minha mão, passou o braço pelo meu pescoço e me disse como segurá-la. Então começamos a dar os primeiros passos.
Eu realmente não levava jeito para a coisa. Confesso que parecia um robô me mexendo para os lados. Não foi por acaso que ela disse:
-- Você parece uma estátua. Deixe o corpo mole e me acompanha.
Tentamos durante algum tempo, mas ela deve ter percebido que me ensinar a dançar seria uma das tarefas mais custosas.
Por sorte, minutos mais tarde, o conjunto parou de tocar. Foi quando eu aproveitei para dizer:
-- Aqui tá muito chato! Vamos dar uma volta?
-- Vamos.
Saímos dali e ficamos caminhando abraçados pela rua principal de Santa Paula. Andávamos a passos lentos; e a todo instante parávamos para nos beijar.
Ah! Que momentos maravilhosos aqueles! Meu coração parecia um oceano a transbordar. Se algum dia eu experimentei a felicidade ao extremo, foi naquela noite. Tudo que eu já havia experimentado nos meus dezesseis anos de vida, não era nada ao que experimentava naqueles momentos. Ah! Como minha vida se transformava tão rapidamente. Há poucas horas atrás, eu era uma pessoa, e naquele fim de mundo, no lugar mais improvável, eu me transformara em outro homem. Eu era um homem cético, incapaz de acreditar no destino, todavia, ele estava me pregando uma peça.
Querido leitor, permita-me fazer uma pausa, para falar um pouco de mim mesmo, já que toquei no assunto.
Quando saí de Santa Paula, eu era um garoto de onze anos, frágil e tímido -- um verdadeiro bicho do mato. – Meus olhos negros, meus cabelos castanhos escuros, meu rosto alongado e meu corpo franzino não mudaram muito nesses cinco anos. E verdade que aquele bicho do mato tornou-se sociável, mas não perdeu por completo a timidez. Dizem que quem nasce tímido, o será para o resto da vida. Eu não sei até onde isso é verdade; comigo, contudo, parece que foi assim; pois ainda hoje sou um homem reservado e me sinto embaraçado diante das pessoas. Inclusive, só para que vocês saibam, esse meu quê de timidez muitas vezes foi o que chamou a atenção das mulheres. Algumas, ao longo dos anos, chegaram a confessar que esse ar de mistério, como se eu tivesse medo de alguma coisa, despertava a curiosidade delas. Diana mesmo me contou anos mais tarde que minha aparência tímida foi o que lhe chamou a atenção.
E quando voltei àquele lugar naquele domingo, eu só havia crescido mais, meu rosto e a região da dos quadris haviam ganhado uma fina camada de pêlo, minha voz havia se tornado mais grave, e eu não pensava e agia mais como um menino; mas ainda era o mesmo Ademir que nascera e passara toda a infância naquele lugarejo.
Falei sobre isso naquela noite, depois que saímos do baile. Por falta de onde ir, voltamos ao estacionamento, onde estivemos anteriormente.
Durante o tempo que ficamos ali, conversamos muito. O efeito da bebida já não se fazia mais presente; aliás, nem era mais preciso, pois já tínhamos nos tornados íntimos o suficiente para abrirmos o coração um ao outro.
E isso talvez tenha sido nosso erro. Ao nos expormos em demasia um ao outro, acabamos por nos apaixonar perdidamente. É provável que a minha inexperiência com as mulheres tenha contribuído consideravelmente para que isso viesse a acontecer. Mas que culpa tive eu, se Diana era a primeira mulher com quem verdadeiramente estava me relacionando?
Não que eu não tivesse gostado de outra garota anteriormente; pelo contrário, cheguei a achar que estava apaixonado por várias colegas de classe, mas nada era comparado ao que estava acontecendo comigo naquela noite. E aí estava o xis da questão: eu estava no lugar errado e me apaixonando pela pessoa errada.
Você deve estar se perguntado por que, caro leitor. É natural que isso aconteça. Mas ao longo dessa narrativa, você descobrirá o porquê. Então, você terá oportunidade de me julgar. Por enquanto, eu só peço que me ouça atentamente.
Ao certo, eu não sei quanto tempo ficamos ali; também não me recordo de tudo que falamos. Fiz um esforço para tentar recordar, mas foi em vão. Lembro com clareza que amiúde interrompíamos a conversa e nossos lábios se tocavam num beijo quente e deliciosamente prolongado. Ah! Como era gostoso beijá-la e beijá-la cada vez mais e mais...
Foi durante um desses beijos que eu quase a machuquei.
À medida que nos tornávamos mais íntimos, também eu me tornava mais ousado. E durante nossos prolongados beijos, eu apertava meus quadris de encontro aos seus. Vocês sabem do que estou falando, não sabem? Mas como já expliquei anteriormente, não fazia isso com segundas intenções. Agia instintivamente. Num dado momento, porém, eu exagerei e a pressionei com os quadris contra o carro com tanta força que ela foi obrigada a dizer:
-- Aí! Devagar. Desse jeito você vai acabar me esmagando...
-- Me desculpe! -- falei todo desconsertado.
-- Tá bom. Você está desculpado, mas não faça isso de novo – recomendou ela.
Fiz o possível para me comportar o resto da noite, todavia, não foi difícil.
Contudo, antes de terminar esse capítulo, eu quero falar de como terminou a noite.
Lá pelas duas da manhã, as pessoas começaram a ir para suas casas. Aos poucos, as barracas foram ficando vazias e algumas encerrando suas atividades. E foi nesse meio tempo que minha tia foi me reencontrar. Estávamos andando de mãos dadas ao longo da rua.
-- Aquelas duas que vem vindo são minha tia e a amiga dela. – falei, quando vi minha tia se aproximando. Talvez por vergonha, imediatamente eu soltei a mão de Diana. Continuamos, porém, andando lado-a-lado.
-- Eu estava a sua procura – disse-me ela, quando se aproximou.
-- Eu estava dando umas voltas por aí com uma colega de infância. – menti.
-- Não demore que daqui a pouquinho nós vamos embora – recomendou ela.
-- Tá bom. Só vou acompanhá-la até a barraca da prima dela e já volto.
E assim fomos.
Isso merece uma explicação. Diana contou-me que sua prima estava com uma barraca de quentão e cachorro-quente no final da rua. Como já estava ficando muito tarde, ela precisava ir até lá falar com a prima onde se encontrava. Era justamente isso que estávamos a fazer quando cruzamos com minha tia.
O encontro com minha tia mudou nossos planos. Agora quem precisava ir embora era eu. Mesmo assim, eu a acompanhei até a barraca de sua prima.
Durante o trajeto e os poucos instantes que fiquei com Diana diante da barraca, meu coração sentiu-se apertado. E, à medida que se aproximava o momento da despedida, mais ele se tornava pequeno, mais ele parecia se comprimir.
Talvez foi por isso que pouco antes de nos despedirmos eu deixei escapar:
-- Eu te amo!
-- Não diz isso, seu bobo! – disse-me ela, pondo o dedo nos meus lábios, como se quisesse me repreender. – Você está dizendo isso da boca para fora.
-- Não! É verdade!
-- Aposto que amanhã você nem vai mais se lembrar de mim. – disse ela, dando-me outro beijo nos lábios.
-- Vou sim. Eu não vou me esquecer de você. – falei, apertando-a fortemente contra mim, como se não quisesse me soltar dela. – Me dá seu telefone que, quando eu chegar em São Paulo, eu vou te ligar.
Não havia mais tempo, e a única forma de continuar ligado a ela, era telefonando-lhe. Não sei se agi certo lhe pedindo o número do telefone. Se por acaso ela recusasse, certamente eu insistiria até consegui-lo. Mas não foi preciso, ela concordou em me dar.
Diana aproximou-se do balcão de tábua, pediu a prima um pedaço de papel e uma caneta. Em seguida anotou o número do telefone.
-- Escreve seu endereço também – falei, -- que vou te escrever uma carta.
-- Duvido que você vai me escrever – disse ela, enquanto anotava o endereço embaixo de onde havia anotado o número do telefone.
-- Vou sim. Você vai ver.
Assim que terminou de anotá-lo, entregou-me o pedaço de papel. Eu o dobrei com muito cuidado e o coloquei no bolso da jaqueta.
-- No próximo domingo vai ter festa em Santa Clara. Você vai? – perguntei.
Santa Clara era um lugarejo tal qual Santa Paula que ficava a cerca de vinte quilômetros de distância. Como tínhamos parentes em Santa Clara, era certeza de que eu estaria lá também.
-- Ainda não sei. Se algum dos meus familiares for, eu vou junto.
-- Então vou estar lá te esperando. Viu?
-- Tá bom. Vou ver se dou um jeito de ir.
Então nos despedimos, nos beijamos pela última vez, e eu fui à direção ao carro. Por diversas vezes ainda virei o rosto para trás para olhá-la pela última vez.
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