QUANDO O AMOR NÃO ACABA - capítulo XXI
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Durante mais de seis meses minha vida foi um inferno. Embora tentasse manter as apa-rências e assim evitar que as pessoas percebessem meu estado desolador devido à morte de Fabi-ana, eu não obtinha sucesso. Meu desempenho no trabalho regredia dia a dia. E em alguns dias, aquilo se tornou motivos de comentários na empresa. Em pouco mais de um mês a minha falta de atenção, de dedicação ao trabalho e a indiferença com cuidava das minhas tarefas acabaram chegando ao meu pai.
Num domingo, após o almoço, quando eu estava pronto para sair, ele me chamou e per-guntou o que estava se passando. Tentei negar, dizendo que não estava acontecendo nada. En-tão ele começou a numerar os meus erros nos escritório e relatou o quanto isso estava afetando o funcionamento das empresas.
Ouvi de cabeça baixa, sem refutá-lo. Até porque ele estava com a razão. Eu não cumpria mais as minhas obrigações. Contudo, depois de deixá-lo falar tudo que queria, prometi me em-penhar mais e evitar que isso tornasse a acontecer.
Luciana, minha namorada, desistira de me inquirir sobre o que estava se passando, pois não a acariciava mais, não fazíamos mais sexo e vivia a maior parte do tempo distante, distraído, como se ela não estivesse ao meu lado. E quando ela me cobrava isso, eu desconversava e fazia um esforço em ser-lhe carinhoso e fazia de conta como se estivesse tudo bem. Mas nem sempre isso era suficiente. Era só eu me descuidar, esquecer minhas promessas que tudo voltava a ser como antes. Então, teve um dia, cerca de duas semanas depois da morte de Fabiana, que Luciana chegou mesmo a me pôr contra a parede querendo saber se eu não estava saindo com outra ga-rota. Como sempre, neguei veementemente, pois dessa vez estivesse falando a verdade.
Mas não era só no trabalho e com minha namorada que enfrentava problemas. Na facul-dade não conseguia prestar atenção às aulas e minhas notas tornavam-se piores a cada avaliação. E se no semestre anterior não tirara nenhuma nota vermelha, no semestre seguinte quase todas foram abaixo da média. Aliás, isso foi conseqüência não só da desatenção nas aulas como tam-bém devido às faltas e às tarefas que não fazia. Um colega ou outro ainda tentou me ajudar, mas de nada adiantou.
Por fim achei que tudo estava perdido. Eu não acreditava ser capaz de dar a volta por cima e levar uma vida normal e produtiva como qualquer ser humano. E pela primeira vez em toda a minha vida pensei seriamente em me matar. Só não o fiz por falta de coragem. Era fraco demais para tomar uma decisão tão importante quanto essa. Suicidar-se, como muitos podem pensar não é falta de coragem, mas sim o desejo de mostrar para si próprio, pela última vez na vida, que ainda é capaz de um ato de grandeza.
Ah, querido leitor! Mas nem para isso tive coragem! Quando amarrei a corda do varal na viga de madeira da varanda, na madrugada duma segunda-feira, e verifiquei se estava firme o bastante para suportar o meu peso, não tive coragem de seguir adiante. Fiquei olhando para a-quele pedaço de corda dependurado por quase meia hora, pensando que não era homem o bas-tante para subir na cadeira, enfiar o pescoço dentro do laço e pular. Fui tomado por uma parali-sia, como se minhas pernas estivessem presas ao solo ou como se existisse uma barreira invisível a minha frente impedindo-me de dar um passo.
A bem da verdade, ao tomar ciência do que estava prestes a fazer, fui tomado por um ti-po de ânsia, por uma vontade incontrolável de vomitar. Sai correndo até o banheiro mais pró-ximo e pus para fora toda a refeição que comera duas horas antes, na casa de Luciana.
Por sorte meus pais não acordaram. E quando me senti melhor, corri até a varanda, cor-tei a corda e atirei-a ao lixo.
Se por um lado não tive coragem de cometer um ato como aquele, por outro me senti melhor daquele momento em diante. Agora, desempenhava o meu trabalho com mais eficiência, embora o fizesse de forma mecânica, como se fosse um robô executando suas tarefas. Minhas notas na faculdade melhoraram pouco. Aliás, fiquei de DP em três matérias, coisa que jamais me acontecera. Quanto ao meu relacionamento com Luciana, este continuou da mesma forma, co-mo depois de uma longa vida de casados, quando a rotina e a convivência é o último laço que mantém unidos aqueles tão estranhos um ao outro.
E foi nesse momento que resolvi tirar uns dias de férias e voltar à Juiz de Fora para des-cansar, pois me sentia deprimido e aborrecido com o meu desempenho na faculdade, embora não tivesse feito esforço algum para mudar essa situação.
Eram meados de janeiro. Tencionava passar três semanas em Juiz de Fora na casa da minha avó e aproveitar esses dias para passear em Santa Paula. Não pretendia ficar em Santa Paula porque era tímido demais para ficar na casa dos outros. Sabia que muitos amigos deixados ali por meus pais ficariam imensamente agradecidos por pousar uma noite em sua casa, mas eu não me sentiria bem, e talvez até não fosse capaz de adormecer. Assim, preferia sair cedo de Juiz de Fora, tomar um ônibus até Santa Paula e retornar no final do dia.
E quando parti para a cidade natal, foi inevitável partir com o pensamento de encontrar Diana. Desde que a conhecera, não passara uma única vez sem ir à Juiz de Fora e não encontra-la. E quanto mais eu me aproximava do destino, mais eu pensava naquela jovem, que já não era mais tão jovem assim. Ficava imaginando como estaria, o que estava fazendo, se ainda era soltei-ra, se ainda morava em Santa Paula, ou até mesmo na terrível possibilidade de não encontrá-la. Lembro-me que ao pensar nessa possibilidade, senti um aperto grande em meu peito, uma triste-za profunda, como se tivesse partindo de volta. E por pouco não deixei escapar uma lágrima.
Mas em seguida, meus pensamentos tomaram outro rumo.
Desde o momento em que pisei em Juiz de Fora, meus pensamentos foram inundados pelas lembranças dos momentos inesquecíveis passados ao lado de Diana. Cada detalhe, cada palavra, cada promessa não cumprida, cada gesto, cada sorriso, cada toque, cada beijo, tudo aflo-rou em meu cérebro de forma vibrante e tão viva como se acabara de acontecer. E isso fez com que desejasse não voltar mais para Santos.
Tomei um táxi. O dia ainda estava clareando e eu me sentia cansado, doido para chegar logo na casa da vovó para tirar uma soneca. E se fosse tomar um ônibus demoraria demais. A-lém do mais eu não tinha certeza qual ônibus tomar. De forma que acabei optando pelo táxi. Valia a pena pagar um pouco mais e chegar logo.
Enquanto seguia de táxi até a casa de minha avó, eu vislumbrava a possibilidade de ficar para sempre naquela cidade onde só vivi momentos felizes. Então eu me imaginava completado os estudos na cidade universitária e, depois das aulas, me encontrando com Diana, antes de re-tornar para casa da vovó tarde da noite. Num momento seguinte, eu me via, num final de tarde no sábado, passeando de mãos dadas com Diana pelo calçadão da rua Halfed em direção ao par-que. E no momento seguinte, eu nos via sentados num dos bancos daquela praça, olhando as crianças correr de um lado para outro, alimentando os pombos enquanto seus pais namoravam. Embora fosse verão, a cena na minha cabeça se passava num dia frio, onde Diana vestia a mes-ma saia marrom, as mesmas meias compridas, as mesmas botas que usara quando a encontrei por acaso em Santa Paula na última vez em que nos vimos. E na mesma seqüência, eu via suas pernas longas em cima das minhas, seu rosto virando-se de frente para o meu, nossos olhos se encontrando antes de se fecharem para que o encanto do beijo fosse mais intenso e não fosse contaminado pelo mundo a nossa volta.
Meus pensamentos só deram uma trégua quando o táxi chegou ao Manoel Honório e contornou a praça, alguns metros da casa da minha avó. Então eu pensei nos meus avós, na feli-cidade com que eles me receberiam, no que minha avó serviria para matar a fome, pois não co-mera direito durante a viagem. E só tornei a pensar em Diana mais tarde, após acordar para o almoço.
Durante a refeição já não conseguia controlar a ansiedade. Procurava fazer o possível para não deixar que meus pensamentos influenciassem meu comportamento, mas de nada adian-tava. Aliás, eu nunca fui capaz disso, é a verdade! Eu não era capaz nem mesmo de controlar meus sentimentos. Deixava que eles guiassem minhas ações, como se fosse alguém me dando ordens a todo instante. E então eu as obedecia, com um ser completamente alienado, incapaz de compreender o mundo a sua volta.
Eu sabia que não havia cabimento em sair naquele começo de tarde para ir à Santa Paula, sabendo que não passaria mais do que duas horas lá, devido ao horário do ônibus. Além do mais, meus avós na certa gostariam de conversar, saber dos meus pais, da minha irmã, enfim, tudo aquilo que as pessoas conversam quando chegam de viagem na casa de um parente. Eu não tinha o direito de me ausentar, se eles desejavam a minha presença. Seria até uma falta de respeito e descaso não compartilhar com eles aquele primeiro dia. E para que pressa? Eu não teria vários dias para ir à Santa Paula e me encontrar com Diana?
A bem da verdade, eu nem sabia por onde ela andava. E se ela não tivesse mais em Santa Paula? E se estivesse casada ou namorando outro rapaz? O que eu poderia fazer? Nada. A não ser me conformar com a perda definitiva. Ah, mas essa possibilidade não me passava pela cabe-ça. Isso seria tão horrível quanto fora a morte de Fabiana. Seria a gota d’água para que eu voltas-se a entrar em depressão. Não. Tudo menos isso.
Ah, mas eu não pensava nessa possibilidade. Algo dentro de mim me dava a certeza de que ela não estaria com outro. Talvez não a encontrasse em Santa Paula na primeira oportunida-de, mas certamente descobriria o seu paradeiro. Talvez estivesse trabalhando em Juiz de Fora.
Na última vez em que nos falamos pelo telefone, pouco antes de acontecer aquilo tudo com Fabiana, ela me dissera que estava trabalhando como babá em Juiz de Fora, em São Mateus. Eu não tinha o seu endereço, mas se por acaso ainda continuava no mesmo lugar, não seria difí-cil localizá-la. Era só perguntar na mercearia de seu pai. Ou na pior das hipóteses, eu poderia inquirir alguns dos nossos amigos ali de Santa Paula, afinal de contas, nesses lugares pequenos tudo mundo sabe tudo da vida uns dos outros. E qualquer pessoa saberia o paradeiro dela.
Depois de passar um final de tarde inquieto, torcendo para que a hora passasse e chegas-se logo o dia seguinte, fui deitar até mais cedo. Foi a desculpa que encontrei para não entrar em desespero. Minha ansiedade e minha inquietação já estavam passando dos limites. Qualquer pes-soa seria capaz de ver em mim algo me desorientando. Eu não sei até hoje como meus avós não comentaram nada. Meu avô até que não, pois dada a idade avançada – ele contava então com setenta anos --, ele não prestava muito a atenção nas coisas; mas minha avó sim. Ela era bem mais nova e conservada. Além de que, procurava ficar junto a mim a maior parte do tempo. Embora não posso provar, até porque ela já faleceu, mas tenho quase certeza de que ela perce-beu alguma coisa. Talvez por isso tenha feito o possível e o impossível para me agradar naqueles dias em sua casa; pois nunca vi minha avó tão atenciosa e prestativa assim.
Até adormecer – já tarde da noite –, meus pensamentos eram totalmente dedicados à Diana. Eu pensava em como seria o nosso encontro, quando nossos olhos se cruzariam pela primeira vez depois de tanto tempo. Ao formar essa imagem na minha mente, eu a via sorrindo e correndo em minha direção. E depois eu via seus olhos encher-se de lágrimas, sua voz meio trê-mula falando da dor e da saudade como ela sempre fazia. Então a cena mudava e eu a via num final de tarde ao meu lado, de mãos dadas comigo, se afastando de Santa Paula enquanto faláva-mos da saudade e daquele tempo quase infinito que nos separou desde a última vez. E interrom-pendo aquela cena, meu cérebro formava a imagem do momento em que me escolhia a roupa – a melhor que havia trago na viagem --, que usaria para encontrá-la, no dia seguinte a minha che-gada.
E deve ter sido com este último pensamento que acabei adormecendo, pois não consigo me recordar de ter pensado em outra coisa depois disso.
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