QUANDO O AMOR NÃO ACABA - capítulo XXIV
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Eu já não era mais um adolescente como da primeira vez em que encontrei Diana; nem era mais aquele rapazinho de dezessete anos que chorara de saudades ao ler as cartas que ela me escrevera; entretanto ainda me comportava da mesma forma como se os anos não houvesse passado. E aqueles minutos que antecederam ao nosso reencontro após quase um ano e meio sem um olhar, um toque, um beijo foram tortuosos. Nunca uma espera foi tão angustiante. Foi como se todo o meu futuro dependesse daquela noite. Dir-se-ia tratar-se de um divisor de águas, uma situação tão importante quanto a de um réu diante dos jurados a espera da sentença que decidirá entre a vida ou uma morte ignóbil. Faço essa comparação porque não encontro outra situação capaz de fazer o coração palpitar tão descompassadamente quanto aos batimentos no meu peito naquele momento.
Desde o instante em que deixei o apartamento da minha avó, eu parecia cego, incapaz de enxergar ao redor. Caminhei mecanicamente até o ponto de ônibus. E, ao subir os degraus do veículo, não seria capaz de dizer se haviam ou não pessoas a espera do transporte coletivo. Aliás, também não saberia dizer se jaziam poucos ou muitos passageiros no ônibus. Eu não tinha olhos para nada. Via tão somente, e de forma inconsciente, as ruas pelas quais ônibus passa. No meu cérebro só se formavam imagens de Diana; imagens essas de seu rosto quando do nosso último encontro. Em meus pensamentos procurava adivinhar como ela me receberia, como seria estar cara-a-cara depois de tanto tempo. Ela ainda me amaria? E seus beijos? Ainda teriam o mesmo sabor? E seus cabelos? Estariam longos ou curtos? E seu corpo? Estaria mais magra ou engordara? Eram perguntas que me inquietavam e quase me desnorteavam. “Quando a vi da última vez parecia tão magra... Terá engordado um pouco?”, foi o que pensei enquanto o ônibus cruzava uma rua, outra, parava num sinal, num ponto para subir ou descer passageiros. E quanto mais perto chegava, uma sensação de medo, insegurança por não saber o que aconteceria se apossava de mim como se o momento em que minha vida fosse decidida estivesse muito, muito próximo.
Desci do ônibus e as pernas bambas tornaram-se pesadas, meus passos pareciam roubar-me as forças. Era como se eu arrastasse um grande peso preso aos pés. Aliás, a imagem que me vem à cabeça é justamente a imagem daqueles condenados a arrastar uma pesada bolo de ferro atada aos calcanhares.
Embora meus passos fossem dificultosos, não parei um minuto: mantive os passos ininterruptamente em direção ao endereço que me dera. A rua Padre Café começa na rua São Mateus, bem no seu início. Como Diana me explicara, era só atravessar a São Mateus na esquina da farmácia e andar mais alguns metros. Adiante, deparar-me-ia com a entrada de um prédio. Era nesse prédio onde ela morava e trabalhava.
Parei diante da farmácia para me certificar de estar no lugar certo, embora a placa com o nome da rua não deixasse dúvidas. Nisso pensei: “ Tô chegando... Deve ser ali na frente... Será que ela está me esperando do lado de fora? Ou terei de tocar o interfone?” Outros pensamentos vieram-me à cabeça enquanto me aproximava, todavia meu estado emocional impediu-me de guardá-los na memória. “É aqui! Ela ainda não desceu. Ainda deve estar se arrumando”, pensei ao parar diante do prédio. “Toco ou não o interfone? Não seria melhor esperar ela descer? Num instante seguinte porém eu pensava: “Não. Se ela estiver me esperando lá em cima?”
Passou-se uns dois minutos até que finalmente resolvi tocar o interfone. Ela atendeu. Com dificuldade, como se a minha voz não quisesse sair feito a voz de um rouco, disse-lhe um “oi!” curto e seco. Foi o único som a conseguir sair da minha boca ao reconhecer sua voz. Ela por sua vez respondeu com outro “oi!” -- um “oi” prolongado, melódico, deixando transparecer um intenso deleite.
-- Já estou descendo – acrescentou em seguida.
Passaram-se dois minutos. Então a porta de madeira abriu-se e Diana, com toda a sua beleza apareceu diante dos meus olhos. No entanto, aqueles dois minutos pareceram uma eternidade, e quase me levaram ao desespero. Mas quando meus olhos brilharam com a imagem daquela jovem de vinte e um anos, vestindo blusa curta e multicolorida, minissaia jeans marrom, meias brancas com motivos florais e sapatos pretos, tive vontade de pular nos seus braços e declarar-lhe todo o meu amor. Nem mesmo a falta de jeito em se vestir, pois seus sapatos pretos não combinavam com o restante da roupa, foram capaz de diminuir meu entusiasmo. Aliás, os sapatos eram um tanto antiquados, demonstrando tratar-se de alguém de poucas posses, de uma mulher que, por falta de nobreza, não sabia se vestir, combinar adequadamente as peças de vestuário. Não era culpa sua. Era filha de pessoas simples, do campo, onde o bem vestir não passava de um luxo desnecessário, coisa de gente rica. .
-- Oi! -- falei, beijando-a no rosto. Diana também beijou-me no rosto, num cumprimento quase formal. Dir-se-ia de dois conhecidos cumprimentando-se após longo período afastados.
-- Então você apareceu? -- disse-me ela, com os olhos firmes nos meus, como se quisesse procurar naquele rosto o rapaz que lhe fizera juras de amor anos atrás.
-- Apareci – respondi.
-- Pensei que já tivesse me esquecido – tornou ela num tom melancólico, afetado, como se de repente minha presença a fizesse lembrar de momentos ruins, de coisas que preferia que ficassem enterradas para sempre.
-- Não, não me esqueci. Nem haveria como te esquecer.
-- Por quê?
-- Porque você é uma pessoa muito importante na minha vida – respondi, sentindo-me embaraçado com os rumos que a conversa tomava. Ainda mais porque permanecíamos frente a frente, muito próximos, quase nos tocando. Aliás, a minha vontade era de tocá-la, de senti-la nos meus braços, de sentir os seus lábios colados aos meus. Meu coração palpitava de forma intensa; quase se podia ouvir suas batidas. Meu peito parecia tremer, levando-me a respirar com dificuldade.
-- Deixa de ser mentiroso – retrucou Diana.
-- Não estou mentido.
-- Se fosse verdade, tudo teria sido diferente – tornou ela, deixando cair os ombros em conformismo, ciente da fatalidade de uma história de amor que nunca deveria ter começado, pois desde o primeiro momento tudo não passara de uma loucura, de uma aventura sem final feliz, embora a inexperiência e a pouca idade tenham contribuído para isso.
Calei-me por um momento. Não encontrei palavras capazes de desmenti-la. Era preciso reconhecer que Diana estava com a verdade. Embora a amasse quando estávamos juntos, a distância esfriava essa paixão e contribuía consideravelmente para esquecê-la. Aliás, isso talvez fosse tão somente consequência de minhas fraquezas. Provavelmente a causa principal era o fato de não ser capaz de seguir meu coração, de criar coragem para assumir publicamente os meus desejos por mais que estes pudessem contrariar meus pais.
-- Você está linda – quebrei o silêncio, aproveitando para mudar os rumos de nossa conversa.
-- Que nada! Vesti uma coisa simples – respondeu ela, deixando escapar um sorriso de satisfação, como faz toda mulher ao receber um elogio.
-- É serio – insisti, tentando agradá-la ainda mais, embora fizesse isso de forma inconsciente.
-- E ai? O que vamos fazer? -- perguntei em seguida. -- Não vamos passar a noite toda aqui de pé em frente ao seu prédio, né?
-- Não, não. Claro que não.
-- Você tinha falado sobre um barzinho. -- Lembrei-me da nossa conversa ao telefone mais cedo.
-- Tem vários barzinhos aqui em São Mateus. Tem um super legal bem aqui perto. Quer conhecer?
Assenti.
Caminhamos lado a lado por algum tempo. Entretanto, ficar tão próximo sem locá-la era-me tortuoso. Minha mão direita, rente a mão esquerda dela, tinha de fazer um esforço enorme para não se deixar atrair e ir parar naquela mão de dedos longos que eu ansiava em tocar. E antes de chegarmos ao destino, não houve mais como segurar. Deixei a mão pender para o lado, em direção a sua. Então, meus dedos procurou os seus dedos e de forma desesperada misturou-se-lhes. Diana sentiu o contato de meus dedos e numa reação que eu gostaria de ter experimentado, fechou a mão com força, como se desejasse segurar-me para nunca mais soltar. Então nossos olhos se encontraram mais uma vez, os passos cessaram e envoltos por uma corrente magnética, de intensidade incalculável, as pálpebras tornaram-se pesadas demais, os olhos cerraram e nos beijamos apaixonadamente como naquele primeiro beijo em Santa Paula. O tempo parou e tudo a nossa volta pareceu ter se desaparecido. Foi como se o toque de nossos lábios nos tivesse transportados para uma outra dimensão, para o mundo dos sonhos, onde a realidade tão cheia de dores, injustiças, frustrações, regras absurdas é apenas parte de um mundo estranho; pois o mundos do sonhos é o mundo onde tudo é possível, onde os mais estranhos desejos se tornam realidade.
Andamos mais uns dois ou três metros e paramos novamente. Mais beijos, mais carícias, mais uma vez o mundo a nossa volta parecia desaparecer num fechar de olhos como se o mundo real fosse aquele experimentado por nossas sensações. Mas quando abríamos os olhos, ao redor o mundo continuava o mesmo embora parecesse mais belo e mágico por causa de nossa afetação.
-- É aqui – disse Diana, ao pararmos diante de várias mesas espalhadas por um salão pouco iluminado e onde jazia um grande número de pessoas; a maioria casais de jovens, alegres, conversando distraidamente ao som de MPB. Naquele momento tocava uma canção do Roupa Nova: Anjo. -- Vamos entrar? -- perguntou logo em seguida.
-- Vamos – declarei. Aliás, por nada desse mundo responderia negativamente. Mesmo que o local não me agradasse, embora o local tenha me parecido agradável e a música provavelmente tenha contribuído sensivelmente para aquela percepção agradável.
Ah, querido leitor! Posso passar vinte, trinta anos sem ir à Juiz de Fora e mesmo assim serei capaz não só de me lembrar daquele ponto, como também da mesa e da posição em que estávamos sentados naquela noite. E toda vez que ouço o refrão da canção do Roupa Nova
Chega perto e diz: “Anjo!”,
meus olhos enchem-se de lágrimas. Um dia desses eu a ouvi. Estava sentado na sala lendo enquanto a empregada varria a casa. Súbito, no andar de cima, o vizinho liga o aparelho de som no último volume e a canção penetra-me nos ouvidos. Foi como uma punhalada no meu passado. A imagem de Diana, da gente sentado frente e frente naquele bar, com um copo de cerveja escureceu minhas vistas, um aperto quase insuportável no coração fez-me as lágrimas escorrer pelo rosto. Tombei a cabeça para trás e caí em prantos. A empregada vendo-me naquele estado, acorreu em me acudir perguntando se eu estava sentindo algo. Envergonhado, enxuguei as lágrimas e respondi negativamente, disse-lhe apenas que uma lembrança me fizera ficar assim. Então a ouvi comentar: “Deve ter sido uma lembrança muito forte”. “E foi mesmo”, respondi. Em seguida, mantive a cabeça pendida para trás, os olhos fechados e deixei que as lembranças me transportasse até aquele dia.
Ficamos naquele barzinho por mais de uma hora e meia. Eu não apreciava cerveja, por isso acabei tomando um copo e meio; todavia, Diana esvaziou uns quatro ou cinco copos. Não cheguei a contar. Mas, quando levantamos para sair, entre mim e ela ficaram duas garrafas vazias e uma pela metade. Acredito inclusive que se o garçom tivesse demorado para nos trazer a conta, certamente Diana teria sorvido o resto da bebida.
Quando saímos o conjunto havia parado de tocar. Provavelmente dera uma pausa para descansar, pois haviam deixados os instrumentos no palco improvisado, dando a entender que dali a pouco retornariam. No playback entretanto tocava uma canção em inglês muito bonita que eu já tinha ouvido muitas vezes, embora não soubesse o nome nem da música, nem de quem a cantava. Só depois, quando voltei para Santos e a ouvi novamente foi que me interessei em saber o seu nome e o do interprete. Tratava-se da canção Hold me till the morning comes da dupla Paul Anka e Peter Cetera.
Retornamos ao prédio de mão dadas. Passava das onze quando chegamos. Então Diana confessou-me que precisa subir porque ia levantar cedo no outro dia. Eu queria ficar mais consigo, mas era preciso ser compreensível. E com o coração apertado, com uma vontade absurdamente grande de não deixá-la, disse-lhe que realmente estava tarde e que também precisava voltar para casa da minha avó.
-- Ela deve estar preocupada – acrescentei.
Fez-se silêncio. Era como se tanto um quanto o outro quisesse fazer uma pergunta, mas temia fazê-lo com medo da resposta. Mas também não podíamos ficar os dois ali, parados, um olhando para a cara do outro, feito dos abestalhados – aliás, como o são todos os apaixonados ao se encontrarem juntos.
-- A gente pode se ver amanhã de novo? -- resolvi perguntar.
-- Pode sim – respondeu Diana, deixando escapar um suspiro, como se sentisse um alívio. -- Você vem aqui?
Respondi afirmativamente. Depois, perguntei a que horas poderia vir. Ela então sugeriu o mesmo horário: nove horas.
Despedimos com um longo beijo. Não houve juras de amor ou promessas. Apenas confessei que ia dormir pensando nela e ela também prometeu que faria o mesmo. Na hora de subir contudo, ela foi soltando lentamente sua mão da minha, como se algo nos puxasse um para longe do outro, até que nossas mão se separaram. E antes de virar as costas e abrir a porta, atirou-me um beijo a distância e desapareceu.
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