FABIANA Favero entrevistando José de Sousa DANTAS sobre LITERATURA DE CORDEL, em 25/11/2004
FABIANA Favero de Andrade é Natural de São Paulo - SP, concluinte do Curso de Jornalismo; E-mail: fabiana.pop@ig.com.br
DANTAS
Primeiramente, parabenizo-lhe pelo trabalho de pesquisa que você vem realizando sobre Literatura de Cordel e sua Sobrevivência no Brasil, e lhe agradeço por me escolher para responder as suas perguntas, inteligentes e oportunas
Desejo sucesso no seu trabalho e que o CORDEL seja cada dia mais valorizado, apoiado e divulgado, contribuindo assim para a edificação cultural da população e engrandecimento da cultura brasileira.
RESPOSTA ÀS PERGUNTAS
FABIANA
1) Desde quando escreve cordel e o que te levou a escrever ?
DANTAS
COMECEI A ESCREVER CORDEL desde fevereiro de 1998, primeiramente como uma brincadeira, inspirado nos versos de repentistas e declamadores, nas cantorias, despertando maior interesse para elaborar meus versos com rima, métrica, dentro das diversas modalidades da cultura popular (quadra, sextilha, décima, martelo, etc). Os temas eram escolhidos de momento, notadamente sobre coisas do sertão (o lugar onde nasci, o rio, o roçado, os passarinhos, os costumes, as comidas típicas, etc), e temas do dia a dia (saudade, paixão, amor, religião, futebol, política, etc), além de alguns assuntos técnicos (dívida dos estados, atividades do setor público, a profissão de engenheiro, etc).
Com isso, criei um hábito de escrever em versos quaisquer temas, inicialmente somente para consumo próprio e conhecimento de alguns poucos colegas e família.
O QUE ME LEVOU A ESCREVER CORDEL foi a tentativa de contar a história do meu lugar, em versos, formando frases, em linhas curtas, rimadas, metrificadas e cantantes, a exemplo dos folhetos de cordel que sempre circularam no alto sertão do Estado da Paraíba, onde nasci e fui criado, no município de Pombal, do nordeste brasileiro, alguns desses cordéis elaborados por poetas cordelistas da própria região, a exemplo de Leandro Gomes de Barros, Silvestre Honório.
FABIANA
2)Quem o influenciou para escrever cordel ?
DANTAS
Tive uma forte influência no início de 1998, quando voltei a assistir cantorias de improviso e ficava analisando e apreciando cada estrofe construída com rapidez, entre 10 a 20 segundos, sendo rimada, metrificada, harmonizada e cantante, RETRATANDO UM TEMA COM FRASES INÉDITAS, e pensando eu me perguntava: por que não eu, mesmo escrevendo com mais tempo, não poderia fazer um trabalho em versos, procurando ajustar e melhorar no que fosse necessário !?
Partindo desse princípio, tive a iniciativa de descrever, em versos, um assunto que me dá prazer em recordar, ou seja, a infância, os costumes do lugar, onde nasci e fui criado, o que me dava uma forte sensação como se eu estivesse vivenciando aquela situação passada, e assim acumulei um elenco de temas versificados, que foram encadernados para leitura e releitura. Em seguida algumas pessoas e familiares, lendo o material e talvez percebendo a variedade e importância dos assuntos, me incentivaram a formar um livro. Achei a idéia interessante e em junho de 1998 resolvi rever, melhorar e reorganizar os diversos temas em versos e findei formando meu primeiro livro, com 332 páginas, lançado em 09/10/1998, sob o título “A HISTÓRIA DO MEU LUGAR, em contos e versos”.
Não fosse minha vontade, minha decisão, minha preferência em descrever, maior parte do referido livro em versos, talvez até hoje não tivesse elaborado o livro e nem desenvolvido vários trabalhos em cordel, constantes de livros, sites, compêndios, concursos, etc.
Além disso, fui convidado a coordenar a realização de festivais de repentistas em João Pessoa e Pombal, bem como fazer transcrição dos cantos para publicação em coletâneas, selecionar composições para CDs, selecionar poemas e estrofes para livros e coletâneas, participar de glosas, de comissão julgadora, de concursos literários, fazer versos de improviso, assistir cantorias, declamar versos em rádio, TV, saraus, clubes etc, ler e fazer comentários sobre livro de poesia, tudo isso vem me servindo de exercício, incentivo e aprendizagem para que eu possa continuar elaborando e melhorando meus poemas.
FABIANA
3)Teve algum cordelista como referência ?
DANTAS
Não. Sempre admirei todos os cordelistas: Leandro Gomes de Barros, José Camelo, Manoel Monteiro, Patativa do Assaré, Paulo Nunes e outros; glosadores: Silvestre Honório, Agostinho Nunes da Costa, Luiz Dantas Quesado e outros; repentistas/cordelistas: irmãos Bandeira, irmãos Batista e outros; todos os repentistas, além dos poemas de Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Castro Alves e outros. Mesmo assim, procurei desenvolver, a meu modo, os trabalhos em versos, que eu achasse por bem, seguindo as regras da poesia popular, com rima e métrica, aplicados pelos repentistas, declamadores, cordelistas, sonetistas.
FABIANA
4)O que te inspira para criar um tema de cordel ?
DANTAS
Contemplando a natureza, o campo, o sertão, onde nasci e me criei até aos 17 anos de idade; temas do dia a dia, um fato interessante; qualquer tema que me venha em mente e me interesse a desenvolvê-lo em versos, assim como motes de cantorias ou por mim idealizados a partir da imaginação, de frases, ditados, provérbios, textos, palestra, exposição, comentários, etc.
FABIANA
5) Tem alguma preferência da forma estilística de escrever ?
DANTAS
Na elaboração de uma estrofe, no contexto do tema, primeiramente me preocupo a construí-la dentro do meu raciocínio, cujo resultado poderá ser num sentido denotativo ou conotativo, dependendo das figuras de linguagem incluídas na hora da formação das frases.
Procuro colocar as palavras, as idéias obedecendo uma determinada lógica, para o leitor sentir o prazer de entender, e se possível desenvolvo o trabalho trazendo alguma novidade, criatividade no verso, tornando-se agradável de ser lido, tanto pelo seu conteúdo como pela sua forma.
Não gosto de fazer poesia matuta, porque não tem regra nas palavras da língua portuguesa e finda-se criando um ESTILO diferente, não usual, sem limites.
Procuro usar palavras corretas, algumas poucas vezes encaixo um termo “assertanejado”, do linguajar regional, para mim mais adequado e sincero, como forma de melhor explicar o sentido da frase na estrofe.
Tenho desenvolvido meus poemas, em quadras, sextilhas, septilha, décimas, e com rima, métrica (sete sílabas, dez sílabas e onze sílabas poéticas), todos calcados no estro da poesia popular, aplicando figuras de estilo, uma delas e a mais freqüente é a ANÁFORA (repetição da mesma frase no final de cada e estrofe), conforme se vê a seguir.
Cultive boas sementes
no jardim da existência,
pra distribuir essência,
em todos os ambientes;
receba os grandes presentes,
dos frutos da plantação,
tenha realização
na sua propriedade.
CONSTRUA A FELICIDADE
DENTRO DO SEU CORAÇÃO.
Também uso outras figuras de linguagem, como sempre muito comuns nos versos, sendo figuras de estilo (anacoluto, pleonasmo, elipse etc), figuras de palavras (metáfora, metonímia), figuras de pensamento (ironia, hipérbole, etc), além de anagramas e acrósticos.
O conteúdo dos poemas é fruto da criatividade e cuidado pela excelência, onde procuro expressar meu ponto de vista na formação de conceitos, que sejam válidos e edificantes, um compromisso comigo mesmo e com os leitores.
FABIANA
6) Em relação às ilustrações dos livretos, como são trabalhadas ?
DANTAS
Procuro primar pelo melhor que possa representar e se adequar ao trabalho, com figuras sugestivas, criativas, compatíveis, vivas, alegres, atraentes, agradáveis, distintas e edificantes.
FABIANA
7) Possui algum ilustrador preferencial ?
DANTAS
Não. Para cada produção, idealizo um tipo ideal de ilustração, que se encaixe bem no contexto, desde a capa até algumas páginas internas, e consulto especialista no assunto para que possa melhor desenvolver o trabalho e atender o objetivo pretendido.
FABIANA
8) Em sua opinião, nos dias de hoje qual a importância da literatura de cordel na cultura popular brasileira ?
DANTAS
É importante a literatura de cordel não só para preservar essa arte secular, como também fazer com que as pessoas e as novas gerações possam, cada vez mais, acreditar, apreciar, se encantar e também elaborar EXCELENTES CORDÉIS, sublimados, ESSENCIALIZADOS, que sensibilizem o leitor, um trabalho de respeito, que faça jus ao nome cordel, dentro das modalidades, que nos sirvam de lição e aprendizagem, e contribuam para o engrandecimento da cultura brasileira.
Os CORDÉIS geralmente são elaborados numa linguagem simples, coloquial e transparente, constituindo um acervo cultural básico, que faz gosto a pessoa ler, a exemplo das estrofes seguintes.
UM VERSO GRANDE E BEM FEITO,
pelo seu grande valor,
agrada a todo ouvinte,
ao promovente, ao leitor,
servindo para pesquisa,
de estudante e professor.
CORDELEIRO DO BRASIL,
contemple, se inspire e faça
seu verso com fé e raça,
dentro do melhor perfil;
seja sensato e gentil,
poético de formação,
talentoso na missão,
criativo e otimista.
Para ser bom cordelista
tem que se ter vocação.
Dezessete SEGUNDOS repentista
faz o verso completo de dez linhas,
nas pelejas pequenas e nas rinhas,
revelando o melhor ponto de vista;
mas se for na função de cordelista
necessita de tempo muito mais
dezessete MINUTOS são normais,
pra fazer a estrofe equivalente.
O poeta faz verso de REPENTE
colocando as palavras principais.
FABIANA
9) Você acha que a literatura de cordel está viva ainda na cultura
das gerações atuais? Por qual motivo ?
DANTAS
Sim. E a literatura de cordel deverá ser engrandecida ainda mais com novos cordéis não só em livretos, como também em livros reunindo versos sobre assuntos variados, formando uma coletânea instrutiva, devendo ser mais prestigiada, apoiada, valorizada, incentivada e indicada em todas as escolas do País, empresas, setores, visto ser uma atividade, disciplina básica que certamente contribui para o desenvolvimento do talento das pessoas, e engrandecimento da cultura brasileira.
Ler um texto LITERÁRIO
é mais que uma terapia,
uma atividade LÚDICA,
que nos enche de euforia,
nos trazendo ensinamento,
que cresce o conhecimento,
a luz, a sabedoria.
Que minhas PALAVRAS DANCEM,
revelem bons pensamentos,
em frase, verso, POESIA,
servindo de ensinamentos,
com mensagens adequadas,
transparentes e acuradas,
para todos segmentos.
FABIANA
10) Qual seu cordel favorito ?
DANTAS
Tenho admirado cordéis criativos, encantadores, instrutivos, sejam filosóficos, líricos, humorísticos, narrativos, sejam em folhetos ou em livros.
Entrevista em 25/11/2004
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