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Luciana foi ao meu encontro pouco depois. Aproximou-se e talvez percebendo-se ter ido longe demais, desculpou-se mais ou menos da mesma forma que fizera antes. Disse que se arrependia por ter sido tão cruel. No fundo porém eu sabia que dizia aquilo da boca para fora, apenas para parecer agradável. Ela não era capaz de se arrepender de coisa alguma. Era uma jovem que, embora soubesse diferenciar o bem do mal, não sabia medir o quanto de dor poderia causar no outro quando o mantinha em seu poder e o levava a praticar atos que iam de encontro a seus princípios. Minhas lágrimas pareciam comovê-la por alguns instantes, mas pouco depois ela via nisso não a dor e o sofrimento, e sim um sinal de fraqueza, algo desprezível no ser humano. Por isso ela gostava tanto de me chamar de frouxo. Talvez devido a sua educação ou o meio em que foi criada, um homem chorar e demonstrar medo fosse algo imperdoável. E percebia que o medo que aquela floresta me provocava a irritava profundamente. E, ao sentir-se irritada, o desejo de me humilhar parecia tornar-se maior, como se assim quisesse me castigar por isso. Daí tamanha perversidade comigo nesses momentos. Mas quando esta era satisfeita, Luciana parecia tomar ciência do que fizera e então procurava amenizar os danos, como alguém que ao se dar conta de que fora longe demais procura recuar. O seu pedido de desculpa nessas horas era a bem da verdade uma forma de se redimir, de levar o outro a achar que possuía sentimentos e que seu erro fora apenas fruto de uma explosão. Alias, tornava-se receptiva, atenciosa e carinhosa nessas horas, como fora ali na água, ao me ver se desfazer em lágrimas.
Ao pedido de desculpa seguiu-se um convite um tanto despropositado, mas que demonstrava esse recuo.
-- Vem cá – pegou em minha mão e principiou a puxar-me para fora da água. -- Eu deixo você enfiar ele em mim para você gozar. – E disse com tanta naturalidade como se não houvesse feito nada demais. Aliás, ao fazer isso estava piorando as coisas, pois para um homem, mesmo para um garoto feito eu, nada mais ultrajante do que uma oferta dessa.
-- Não. Não quero! – retorqui, quase gritando e puxando o braço. Em seguida porém acrescentei: – Sai daqui, vai embora! E me deixa em paz.
De fato ela se afastou e ficou lá na areia me observando à distância, com a vara de pescar que tínhamos encontrado. Aliás de quando em quando eu a observa se ainda estava ali a minha espera e a via examinando aquela madeira, feito uma criança pequena a examinar um brinquedo novo na tentativa de compreender como usá-lo. Eu no entanto torcia para que ela retornasse sozinha para a cabana e me deixasse ali, para que eu pudesse ter um pouco de liberdade e assim pensar numa forma de escapar de seu assédio, pois a sua presença na areia me fazia sentir preso e vigiado, como se fosse um criminoso. E por mais que eu tentasse esquecer sua presença a poucos metros e com isso pôr um pouco de ordem nos meus pensamentos, não conseguia, pois a cada segundo era lembrado que Luciana estava a espreita, como um lobo a espera de um momento de distração para atacar. Talvez ela não estivesse com essa intenção, no entanto eu acreditava que sim. Mas ela não se afastava. Parecia não querer me deixar e chegar na cabana sem a minha companhia.
Passaram-se dez minutos ou mais. Nesse intervalo a única coisa que me recordo de ter pensado foi no pecado que estava cometendo ao fazer aquelas coisas com ela. Sabia que fora coagido, mais isso não me aliviava o peso na consciência, pois pecado é pecado e ponto final. E o peso era maior porque acreditava que amar uma mulher e se deitar com outra o castigo divino haveria de ser ainda maior. Aliás, olhar para Luciana e vê-la desnuda daquela forma me levava a relembrar de todos os atos impuros que cometemos. E por mais que eu tentava, as imagens teimavam em vir-me à cabeça como se meu cérebro agisse por si só, sem que eu dispusesse de algum controle. E é bom lembrar que sua nudez não me provocava desejos, como o amigo leitor possa imaginar, e como certamente a nudez de Marcela me provocaria; mas sim vergonha, tanto dela quanto de mim mesmo. Eu a fitava e imediatamente desviava os olhos como se estes não conseguissem pousar em sua nudez.
– Sai dessa água! Vamos voltar – gritou Luciana, virando em direção à cabana.
Pensei em não obedecê-la. Todavia, não adiantaria de nada, pois certamente ela encontraria meios de me persuadir a acompanhá-la. De forma que, com a cabeça baixa, vagarosamente fui andando em sua direção.
Ela não comentou sobre o ocorrido. Ao invés disso, girou de um lado para outro a vara de pescar e perguntou:
– Você acha que vou conseguir pegar algum peixe com ela?
– Vai sim – respondi.
– Quero pegar um bem grande. Se possível dois.
Estava entusiasmada e alegre. Nada a assemelhava a aquela jovem que momentos antes, de forma perversa, me humilhara e me fizera sentir o ser mais desprezível do Planeta. Aliás, embora não tenha me apercebido isso naquele momento, talvez porque ainda fosse um moleque em cujo sangue corria o sangue da inocência, mas naquele comportamento podia-se não só identificar uma dissimulação exacerbada como uma variação pouco comum na personalidade, o que ficou mais evidente com o passar do tempo naquela ilha.
Durante o trajeto de volta à cabana, ela me fez várias perguntas acerca de como proceder para não errar a pontaria. Fazia gestos, e me pedia para mostrar como lançar a vara, pois sabia que isso era o mais importante. Procurava na medida do possível, mostrar-lhe, embora sua nudez me inibia e evitava que por exemplo a tocasse, pois temia que se o fizesse Luciana se aproveitasse da situação para me acariciar ou exigir carícias que eu não estava nem um pouco disposto a fazer.
Por sorte a cabana surgiu diante dos meus olhos e então corri para contar as meninas que o biquíni de Luciana arrebentara e ela decidira andar nua pela ilha a partir daquele momento. Aliás, isso não as surpreendeu.
– Isso é bem a cara dela mesmo! – exclamou Marcela, pouco antes de Luciana entrar. – Aposto que ela fez de propósito.
Não houve tempo para uma réplica, pois ao entrar, Luciana fez questão de exibir sua nudez. Ela parou na porta, estendeu os braços e rebolou dizendo:
– Agora sou a nova Eva do paraíso.
E num tom provocativo, Ana Paula, sentada ao lado da amiga e com uma varinha cutucando a fogueira, acrescentou:
– Ainda bem que nessa ilha não tem maçã.
– E nem precisa – adiantou-se Marcela. – Apostou como ela já andou comendo da fruta do pecado. – E ao proferir essas palavras, olhou-me nos olhos como se soubesse o que estava acontecendo entre mim e Luciana.
Sem esperar por aquelas palavras, uma onde de calor subiu-me pelo corpo e deixou-me a face mais vermelha que uma maça madura. Não fosse a falta de iniciativa, talvez houvesse fugido em disparada de vergonha. Contudo, calado estava, calado continuei. Apenas abaixei a cabeça para não ter de encará-la e ver em seus olhos a raiva que certamente sentia de mim.
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