ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 03
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-- É uma ilha! – disse Luciana, gritando e batendo os pés de alegria na água, como se houvesse feito a maior das descobertas. A impressão que se tinha do nosso estado de euforia era de termos finalmente retornado para casa. – Estamos salvos! – acrescentou. Na flor dos seus 16 anos, tratava-se uma jovem de personalidade forte, que levava as discussões até as últimas consequências, dando mostra de ser uma pessoa impositiva, muito diferente da prima, a qual, talvez por causa da idade, era uma menina delicada e tranquila. E embora eu não a conhecesse bem, gostava desse seu jeito; talvez porque eu era justamente o contrário disso.
As ondas nos ajudaram a chegar à praia. Quando atingimos a profundidade para podermos ficar de pé (eu e a Luciana arrancamos os coletes e o deixamos para trás. A Marcela fez o mesmo), fomos caminhando lentamente, quase sem forças. Na verdade, a maré era quem nos empurrava em direção à terra firme, como se o mar quisesse se livrar da gente.
Ao chegarmos à areia, simplesmente nos jogamos no chão e ali ficamos por algum tempo – cerca de meia hora –, sem se preocupar nem com a água que vez ou outra nos atingia os pés e nem com os raios solares a nos queimar as costas bastante queimadas pelo sol da manhã.
Em dado momento, ergui a cabeça, olhei para as meninas e depois para o céu. O dia estava quente, sem uma única nuvem ao alcance da vista. E o que mais me chamou a atenção ao fitá-las novamente foi justamente o tom avermelhado da pele. Imediatamente pensei: “Vamos tá todos ardidos mais tarde!” Se o sol ardia minha pele, que aparentemente era menos sensível que a delas, imagine naqueles corpos femininos, cujos pequeninos biquínis deixavam-nas totalmente desprotegidas? Assim, achei por bem procurar uma sombra para descansar. Então levantei e titubeante dei os primeiros passos em direção aos arbustos.
-- Vem, meninas! Saem desse sol que ele vai torrar vocês.
-- Mas eu num aguento andar – reclamou Ana Paula. Ela também havia tirado o colete e jogado sobre a areia. – Minhas pernas tão duras.
-- Eu também estou toda dolorida. Parece que estou toda quebrada – disse Marcela.
-- Espere um pouco que vou te ajudar – falei.
Peguei-a pelos braços e a ajudei a se levantar. Em seguida, ela me enlaçou o pescoço com um dos braços, eu a agarrei pela cintura e seguimos Luciana e Ana Paula que se arrastavam a nossa frente. Aliás, abraçá-la me deu um enorme prazer, algo incapaz de explicar, pois era a primeira vez que a tocava. Quantas e quantas vezes não sonhei como esse instante nas últimas semanas. Pena que vivíamos um momento difícil naquele começo de tarde.
-- Estou morrendo de sede – confessou-me ela.
-- Vamos descansar um pouco. Depois a gente sai pra procurar água e alguma coisa pra comer. Num é possível que por aqui num tem nada para se comer – falei. – Além disso, a gente precisa saber se isso é uma ilha, se é habitada, se a gente tá no Brasil, ou se a gente chegou em algum outro país – acrescentei.
Não havia um local onde poderíamos nos esconder do sol próximo dali. Havia sim uma mata há alguns metros, mas para chegarmos até lá era preciso atravessar uma faixa de arbustos. E o medo de que houvesse cobras ou algum bicho? Quem se arriscaria? “Se eu num tenho coragem, as meninas menos ainda”, foi a conclusão a que cheguei. Dessa forma, ficamos os quatro ali, deitados sob uma palmeira, embora sombra mesmo quase não havia. Pois suas folhas não impediam os raios de solares de chegarem até nós, embora pelo menos davam a sensação de menos calor.
-- Vamos procurar água? Estou que não aguento mais de sede – sugeriu Ana Paula.
-- Então vamos – falei. – Mas todos juntos. É bom que a gente aproveita e dá uma explorada para ver se isso é ou não uma ilha.
-- Boa ideia, Sílvio! – disse Marcela, que estava arrumando a alça arrebentada do biquíni.
Não foi preciso ir longe para encontrar água potável. Há poucos metros dali, havia uma fonte a qual desembocava no mar. Era uma água límpida e transparente, dessas que só a encontramos em lugares desabitados, onde a ação do homem não emporcalhou o meio ambiente.
-- Será que esta ilha é habitada? – quis saber Luciana sentada sobre uma pedra com os pés na água, a qual escorrendo por uma fenda, caía, formando uma pequenina queda de água, num lago de aproximadamente um metro de diâmetro. Aliás, nem bem se podia chamar aquilo de lago, pois além de pequeno não tinha profundidade – na parte mais funda a água não alcançava os joelhos e mal cabia uma pessoa sentada.
-- Sei lá! Nem sabemos se é uma ilha – falei.
-- Mas só pode ser – falou Ana Paula. -- Onde poderíamos ter ido parar?
Houve um instante de silêncio, como se todos parassem para refletir.
-- Em algum ponto do litoral brasileiro – respondi. Por alguns instantes cheguei a conclusão de que poderíamos ter sido arrastados para o norte ou para o sul e depois de volta ao litoral.
-- Não sei não. Acho que a gente pode ter chegado numa ilha perdida bem no meio do oceano – sugeriu Luciana. – Vocês não acham?
-- A gente vai saber quando a gente fizer uma exploração – falei.
-- Isso é verdade! – concordou Marcela.
-- Ta bom. Mas por que a gente num procura alguma coisa para comer antes?
-- Você tem toda a razão, Ana Paula. – disse Luciana, levantando-se e ajeitando o biquíni. -- Vamos comer alguma coisa.
-- Eu num vou entrar aí, no nesse matagal todo, para procurar comida. E se tiver alguma cobra ou algum bicho? – Protestou Ana Paula. Apesar de ser a menor do grupo, foi a primeira a expor os perigos daquela empreitada.
-- Mas nós temos que comer algo – disse Marcela, que também acabara de e levantar. – Minha barriga está doendo de fome.
-- Calma, gente! – falei. – Vamos fazer o seguinte: viram que há pé de cocos bem próximo da areia. Então vamos pegar alguns, dar um jeito de partir eles e quebrar o galho. Enquanto isso a gente pensa numa forma de procurar comida. Que tal?
-- Por mim tudo bem – concordou Luciana.
Foi até divertido ver aquelas meninas procurando cocos pelo chão. Enquanto isso, eu saí a caça de uma vara que fosse comprida o suficiente para alcançar os cachos, pois até então, no meu entender, a única possibilidade de apanhá-los era cutucando-os com uma vara.
Procurei por algum tempo, mas nada encontrei. Quando encontrava algum pedaço de madeira, este estava tão podre que, ao erguê-lo do chão, esfarelava-se em minhas mãos. A solução seria entrar na mata e quebrar o galho de alguma árvore. Isso porém eu não estava disposto a fazer enquanto não explorasse melhor aquele local, para ter certeza de onde estávamos e se não havia perigo em entrar na mata, a qual me causara medo desde o primeiro momento em que a vi, antes de chegar à praia.
As meninas também não foram tão felizes. A maioria dos cocos que cataram estava estragado. A solução foi tentar subir na palmeira para apanhá-los.
Eu não tinha experiência em subir em árvores, embora tivesse feito isso algumas vezes. A questão era: subir numa árvore cheia de galhos é uma coisa, outra é subir num coqueiro. Mas, não me restava escolha: ou subia ou ficaríamos com fome. Dessa forma, tive que me arriscar.
Custei subir. E mesmo assim, quando atingi a altura suficiente para alcançar a fruta com as mãos, o medo de despencar lá de cima me impedia de soltar uma das mãos. Olhar para baixo então, nem pensar! Por algum tempo fiquei sem se mexer, paralisado de pavor, com o coração a me soltar pela boca, pensando no que fazer. Aliás, ainda hoje sinto vertigens em lugares altos. As meninas ficavam lá embaixo tirando sarro e me chamando de medroso, principalmente Luciana, a qual ficava o tempo todo gritando:
– E aí, bichinha? Tá com medinho, tá?
O que eu poderia fazer? Realmente estava morrendo de medo? Gritava para elas que se soltasse a mão podia cair. Elas por sua vez diziam-me para abraçar fortemente o tronco da árvore e apanhar a fruta com a outra.
Depois de quase desistir, criei coragem e abracei fortemente a palmeira e balancei o galho que sustentava o cacho de cocos com a outra. Aos poucos, as frutas foram caindo, uma por uma até não restar mais nada no cacho. Então resolvi descer dali o mais rápido possível, pois o medo era tanto que só não mijei na sunga por vergonha, pelo temor de ser motivos de chacotas para o resto da vida e consequentemente jogar por terra qualquer chance de conquistar Marcela. A descida me causou mais medo que a subida, pois fui cair na besteira de olhar para baixo. E ao atingir o solo senti-me aliviado. Minhas pernas tremiam mais que tudo e eu tinha dificuldades em manter-me de pé. Tanto que comentei:
-- Não me peçam nunca mais pra subir e pegar cocos que eu num vô.
-- Que nada! Você se acostuma – disse Luciana, dando risada.
Talvez ela tenha dito aquilo sem querer, mas em suas palavras havia um quê de verdade. E se por algum motivo tivéssemos que permanecer um longo período naquele lugar? Ninguém havia pensando nisso até então, mas não tardaria para que alguém cogitasse essa possibilidade.
Ah, como foi difícil abrir aquelas frutas! Precisamos tentar uma dezena de vezes, até que Marcela teve a ideia de pegarmos uma pedra bem grande e jogá-la sobre os cocos verdes para esmagá-los. Deu certo, no entanto não podemos aproveitar o líquido. Depois de matar a fome, chegou o momento de fazer o reconhecimento do lugar. Era preciso saber onde estávamos para então pensar numa forma de sair dali. Caso não fosse uma ilha, a coisa seria mais simples, pois caminharíamos até chegar em algum lugar habitado; mas e se tratasse duma ilha? Como iríamos sair? Como alguém nos encontraria? Eram perguntas que precisavam de respostas o mais rápido possível.
O dia estava lindo, com poucas nuvens no céu. Sinal de que não choveria tão cedo. Assim propus caminharmos pela areia e afim de descobrir a extensão do lugar. Era o mínimo que poderíamos fazer naquele momento.
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