ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 04
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-- Será que isto é mesmo uma ilha deserta? – perguntou Ana Paula, caminhando à frente do grupo e de vez em quando chutando a areia. Estava pensativa, possivelmente devido à incerteza do que acontecera com pai.
-- Num sei. Só se for uma ilha muito pequena. As ilhas maiores ou são habitadas ou existem algum posto de controle – falei, relembrando de uma aula de geografia no final do ano anterior, onde o professor falara acerca da inexistência de locais na Terra onde o homem ainda não tenha tido contato.
-- Pode ser uma ilha desconhecida – tornou ela.
-- Ana Paula, não existem mais ilhas desconhecidas hoje em dia – explicou Marcela.
-- Ótimo! Então alguém vai nos encontrar bem rápido.
-- Espero que sim. Num quero ficar nesse lugar por muito tempo – falei.
Andamos cerca de meia hora. Então percebemos que estávamos andando em círculo. Aliás, quem notou isso foi Luciana ao avistar, metros a frente, o ponto onde chegamos àquele lugar. Não se tratava evidentemente de uma ilha grande, a qual pudesse ser habitada. Era uma ilha irregular, com pequenas enseadas, o que podia nos levar a crer que era maior do que realmente seria. De uma coisa porém eu tive certeza: não havia sinais de que alguém vivesse ali ou passara recentemente por aquela ilha. Como cheguei a essa conclusão? Simples. Não havia o menor sinal da presença humana.
Quando Luciana sentiu-se muito cansada, resolvemos parar. Sentamos os quatro na areia, de frente para o mar. Por algum tempo, ficamos em silêncio, pensativos, como se algo nos incomodasse profundamente. Eu pensava numa forma de escapar dali e voltar para casa; quanto as meninas não sei o que lhes passava pela cabeça.
-- Temos que arranjar um lugar para ficar. Pelo jeito, vamos passar a noite aqui – Disse Ana Paula minutos mais tarde. Jazia deitada na areia, como se estivesse em casa, na praia tomando banho de sol, embora no fundo só havia sucumbido ao cansaço.
-- Também acho. Espero que a gente não fique aqui para sempre – disse Marcela.
-- Nem eu – falei. – Ninguém quer ficar aqui pra sempre. A gente tem que ter esperança. Alguém vai procurar a gente e certamente chegará aqui. Num é possível que essa ilha tá tão longe assim do Brasil.
-- Mas eles podem levar dias para nos achar.
-- Eu sei, Marcela. Mas em algum momento alguém vai vir aqui. Aí, a gente sai daqui. Por isso a gente tem que fazer o que a Ana Paula disse: arrumar um lugar pra passar a noite.
-- Mas como? – perguntou Luciana. – Fazendo uma cabana?
-- A gente pode tentar – falei. – Mas primeiro a gente tem que entrar no mato e procurar alguma coisa para comer. Não é possível que só tenha coco!
– Deve ter aí, meio dessa floresta – volveu Marcela.
-- Ou quem sabe perto daquele lugar onde tinha água – lembrou Luciana. -- É nesses lugares assim que a gente pode encontrar elas mais fácil. E não sei se vocês repararam, mas havia uns pés de banana lá.
De fato havíamos passado do outro lado por um pequeno feixe de água, o qual desembocava no mar. Talvez devido às atenções estarem voltadas na descoberta se tratava ou não duma ilha, deixamos escapar esse detalhe.
Voltamos até encontrar uma espécie de trilha, a qual também nos passara despercebido.
Antes que a mata se tornasse densa, havia uma faixa de terra onde cresciam samambaias e outros arbustos cuja altura quase nos cobriam. Foi nessa faixa de terra que encontramos as primeiras frutas.
De início demos preferência às bananas. Não pareciam haver em abundância, contudo tivemos a sorte de encontrar alguns cachos onde algumas bananas estavam meio amareladas. Aliás, as mais maduras estavam comidas por pássaros, mas mesmo assim ainda foi possível aproveitar o restante. Não eram tão saborosas quanto aquelas que nossas mães costumavam comprar no mercado ou na feira, pois se tratava duma espécie que eu não conhecia e não haviam madurado totalmente. Aliás, algumas das frutas que entramos mais tarde na ilha jamais eu ou as meninas as tínhamos comido, exceto as goiabas e os cocos, embora pudessem ser encontradas em feiras e lojas especializadas, como foi o caso do limão bravo, da banana roxa e do araçá.
A exploração naquela faixa de terra acabou nos sendo muito útil. Não só pelas goiabas e bananas que conseguimos encontrar, mas também como forma de perdermos um pouco o medo de penetrar na floresta, embora aquilo não fosse exatamente uma floresta, a qual ainda permanecia intocada. Não sabíamos quanto tempo permaneceríamos naquele lugar, mas certamente chegaria o momento de explorá-la. De certa forma, aquilo era um ensaio dos desafios que teríamos que enfrentar, embora mal sabia eu que os maires desafios não estavam na mata fechada ou em qual outro lugar daquela ilha mas dentro de nós mesmos.
Ao voltarmos à faixa de areia, havíamos adquirido alguns arranhões. Era inevitável que isso viesse a acontecer. Por mais que tentamos andar com cuidado e afastar os arbustos com um pedaço de madeira, uns e outros acabavam se voltando contra nossos corpos desprotegidos e provocando pequenos cortes, uns menos outros mais profundos, os quais provocavam um pequeno sangramento mas sem gravidade.
E quem mais sofreu nessa empreitada foi justamente a menor do grupo: Ana Paula. Tanto que em alguns pontos das pernas via-se não só os vergalhões, como uma pequena faixa avermelhada de sangue quase a escorrer-lhe.
-- Tô toda machucada – chegou a comentar.
-- Com o tempo, você se acostuma – disse Luciana, em tom de brincadeira e até de uma forma provocativa.
-- Ah, vá à merda! – volveu ela com irritação.
-- Calma, meninas! Sem ofensa – pedi.
-- Eu tô toda cortada e ela fica tirando sarro! – disse ela gesticulando as mãos em tom de desafio.
-- Será que não se pode falar nada, que você fica toda irritadinha? – esbravejou Luciana.
Levantei e fui em direção às duas.
– Opa, opa, opa... -- Decidi por um ponto final naquilo antes que a coisa ficasse pior. Em seguida acrescentei: -- Ela num quis te magoar, prima. Além disso, vamos mudar de assunto. Mal a gente chegou aqui e vocês já começaram a discutir. – Aumentei o tom da voz com o intuito de mostrar autoridade, quando na verdade só queria esconder as minhas fraquezas. – Num quero saber mais de discussão aqui. A gente tem que se manter unidos e em harmonia pra que podemos sobreviver até que alguém resgate a gente.
-- Mas foi ela quem... – interrompeu Ana Paula.
-- Já disse que chega. Ou nos respeitamos, ou a gente vai acabar se transformando em inimigos uns dos outros. Já pensaram na possibilidade da gente ficar um bom tempo presos aqui? E se ficar? Como a gente vai fazer se vocês já estão brigando?
-- Desculpe – falou Luciana, dirigindo-se a Ana Paula.
-- Tudo bem. Deixa pra lá, priminha – disse a outra, fazendo pouco caso. Aliás, vi um que de ironia ao chamar a outra de prima.
E assim ninguém mais tocou no assunto. Todavia, percebi um tom nada amistoso e muita frieza entre ambas.
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