ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 16
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16
Como afirmei anteriormente, o tempo estava mudando. Uma grande massa de nuvens cobria o céu. E não era só isso: um vento fresco soprava com mais intensidade. Não quis assustar as meninas, mas, ao sair da água, fiquei preocupado com a chuva que provavelmente cairia à noite. Meu medo era de cair uma tempestade e a cabana não resistir. Aliás, não resistiria nem mesmo a uma ventania moderada. Não seria nada agradável passar a noite embaixo da chuva, pois não havia onde nos protegermos. E provavelmente relembraríamos aqueles momentos terríveis que passamos em alto mar quatro dias atrás.
Estávamos todos sentados na cabana relembrando momentos na escola. Não sei se era só com a gente ou se acontece com a maioria dos jovens de nossa idade ou se éramos uma exceção; no entanto, quase sempre estávamos falando dos amigos e do dia a dia na sala de aula. Poucas vezes conversávamos acerca de nossos familiares ou de momentos em família embora estivessem presentes em nossos pensamentos. Eu não sabia explicar a razão daquilo, mas suspeito que a razão tenha sido porque falar de nossos entes queridos nos entristecia enquanto falar da escola nos trazia boas lembranças.
Nossa conversa foi interrompida pelos primeiros pingos de chuva.
-- Só espero que não seja uma chuva forte demais. Tô com medo dessa cabana não aguentar – comentei.
-- Aguenta sim – respondeu Luciana.
-- Ai, meu Deus! Estou com medo – disse Ana Paula, toda encolhida do meu lado.
-- Calma, prima! – pedi. – Num precisa ficar assim. Vai dar tudo certo.
-- E a fogueira? – perguntou Marcela. – A chuva vai apagar ela.
-- É mesmo! – concordou Luciana. – E vai molhar a madeira toda. Não vamos conseguir acender ela amanhã.
-- Você tem toda a razão – assenti. Estava abraçado a minha prima, pois ela estava tremendo de medo, feito uma criança. – Só se a gente trazer ela aqui para dentro – sugeri.
-- É uma boa ideia – disse Luciana. – Eu já tinha pensado nisso. Só tem um problema: vai ficar muito apertado para a gente dormir.
De fato ela tinha toda a razão. A cabana fora construída para caber só a gente. Não havia mais espaço para quase nada. E uma fogueira ali dentro tomaria muito espaço, pois seria preciso manter certa distância para não se queimar. Por menor que esta fosse, ainda sim ocuparia mais espaço do que dispúnhamos.
-- E vai mesmo! – afirmou Ana Paula. – Só se a gente colocar ela aqui desse lado. Mas aí só vai dar para dormir duas pessoas de cada vez.
Por algum momento paramos para pensar. Nossos olhos procuraram uns nos outros uma resposta melhor, a qual não surgiu devidamente.
Enfim, precisávamos ser rápidos. A chuva ainda não aumentara, mas os pingos se tornavam cada vez mais consistente. Pelo jeito seria uma chuva daquelas, feito uma tempestade.
-- Vamos fazer o seguinte: a gente faz uma fogueira pequena aqui dentro até que a chuva passe – expliquei, fazendo gestos com a mão. – E se a chuva demorar muito, dois de nós ficam acordados e dois vão dormir. Fazer o quê, né? É melhor do que deixar a fogueira apagar. Vocês num acham?
-- Sim – concordaram, quase formando um coro.
E foi o que fizemos.
Pegamos aqueles gravetos ainda por queimar e os agrupamos no interior da cabana formando um pequeno monte de madeira incandescente. Era uma fogueira pequenina, bem menor que a que existia do lado de fora, o que fazia com que tivéssemos de alimentá-la com mais frequência. O resto da madeira, que seria usado para alimentar a fogueira durante a noite, nós a colocamos para dentro; o que ocupou o espaço todo onde um de nós dormia. Como previsto, o lugar ficou extremamente apertado. Para que duas pessoas dormissem, os outros dois teriam que ficar bem juntos, quase espremidos.
Aos poucos a chuva começou a apertar e ficar mais intensa. Entretanto, não chegou a cair nenhuma tempestade; pelo contrário, após alguns minutos os pingos se tornaram mais ralos. Só o vento havia intensificado. Não sei se era devido à chuva, ou se realmente estava ventado mais. A verdade é que aquilo nos remetia a tempestade que destruiu o barco e nos levou até ali.
Com o barulho do vento e da chuva, Ana Paula começou a chorar. Tive de acalmá-la e convencê-la de que não precisava ficar com medo. Não foi fácil. Ela custou a parar de choramingar. Todos nós estávamos com medo. Essa era a verdade! Uns mais outros menos, mas todos, sem exceção, sentíamos aquela sensação horrível ao se lembrar dos momentos de desespero em alto mar. No fundo, o que nos causava medo não era nem a chuva, nem o vento, mas sim a recordação daqueles momentos trágicos em alto mar. A lembrança de tudo aquilo ainda permanecia muito viva em nossa memória.
Anoitecera. Só então o vento deu uma trégua. Digo o vento porque uma chuvinha fina continuavam cair, daquelas que, ao chegar, custam a ir embora.
-- Essa chuva num vai passar tão cedo – afirmei, interrompendo o angustiante silêncio. – É melhor alguém ir dormir pra depois ficar tomando conta da fogueira. Num é porque ela está aqui dentro que não precisamos vigiar ela.
-- Mas quem vai primeiro? – quis saber Luciana
Parei alguns instantes para refletir. Pensei em manter o mesmo esquema usado nas noites anteriores. Mas havia um problema: se o usasse, Luciana e Ana Paula seriam companheiras. E isso não poderia acontecer. As duas já tinham discutido algumas vezes e se pegado numa delas. O melhor era mantê-las distante. Portanto só me restava alternativa: formar uma dupla com Ana Paula ou Luciana.
-- Eu fico primeiro – respondi. – Mas quem vai ficar comigo? Você, Ana Paula, ou a Luciana? Eu poderia ficar com a Marcela, mas num vou deixar vocês duas juntas. Senão é bem capaz de vocês se atracar de novo – expliquei me dirigindo justamente as duas.
-- É bom mesmo! – disse Ana Paula em tom provocativo.
-- Eu fico primeiro – adiantou-se Luciana.
-- Então depois fica você e a Marcela – expliquei. – Não precisa nem dizer que vamos ter que ficar o dobro do tempo. Vai ser difícil calcular a metade, mas a gente fica bastante tempo, depois vocês ficam. Amanhã a gente vê o que faz.
-- Por mim tudo bem – disse Marcela, com indiferença. – Vem Ana Paula, deita aqui do meu ladinho – chamou, enquanto se deitava no canto. – Vamos dormir um pouco. Assim, quando a gente acordar, talvez já tenha parado de chover. Agora, vê se vocês não vão ficar aí falando alto, atrapalhando a gente dormir.
-- Pode deixar. Num vamos não – falei.
Ana Paula aconchegou-se ao lado da Marcela
Para não atrapalhá-las, Luciana achegou-se ao meu lado e ficamos em silêncio, olhando para a fogueira, como se tivéssemos vergonha de olhar um para o outro. Talvez, porque ainda estava fresca em nossa memória a lembrança de nossa troca de intimidades mais cedo.
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