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Com o sol começando a se esconder, achei por bem caçar pelo menos uma ave para o jantar, já que fazia algumas horas desde a última vez em que nos alimentamos. E embora tenhamos nos acostumado com a alimentação escassa, devido à falta de alimentos, o que acabou nos levando a perder peso e aparentar desnutrição apesar de moderada, passar aquele final de tarde e toda a noite sem comer seria demais e um sacrifício desnecessário.
Apanhei o arco e flecha e fui caçar, deixando as três na cabana. Aliás, por pouco não convidei Luciana para me acompanhar a fim de evitar que por alguma razão arrumasse confusão com minha prima, já que as duas viviam numa paz hostil, prontas a entrar em guerra, mas se o fizesse muito provavelmente acabaria me seduzindo mais uma vez. Assim achei por bem ir sozinho.
Ainda me faltava destreza e habilidade no uso do arco e flecha, mas eu evoluía constantemente. Da mesma forma que aprendi usar a lança para pescar, o uso daquele novo instrumento de caça já não me era algo estranho e de difícil manejo. Por isso não tive dificuldades em trespassar a flecha em duas grandes aves, ceifando-lhes a vida.
Voltei à cabana cerca de meia hora após a partida.
-- Mas já? -- exclamou Marcela, sentada num dos cantos. Luciana jazia deitada de bruços numa das camas e Ana Paula agachada ao lado da fogueira, o que me levou a concluir que acabara de alimentá-la com alguns gravetos. Aliás, não havia um responsável por essa tarefa ao longo do dia, por isso qualquer um de nós a executava, embora na mais das vezes era eu ou minha prima quem se antecipava e a alimentava.
-- Tô ficando craque – falei, levantando o fruto da minha caça. -- E olha só como são grandes.
Ana Paula se levantou e pegou uma delas. Luciana deitava estava e deitada continuou, como se o fato de eu ter arranjado o que comer lhe fosse indiferente. E como o amigo leitor já deve ter percebido, ela não ligava pra muita coisa: só parecia se importar com os próprios instintos. Marcela por sua vez, levantou-se e veio em minha direção.
Por alguns instantes apenas observei-a. Embora do lugar onde ela estava até mim não fosse mais do que dez passos, senti um enorme prazer em vê-la dar seus passos firmes, com se estivesse numa passarela. Havia uma sensualidade no seu caminhar, o qual me afetava profundamente. A chama do desejo invadiu-me e quando meus olhos encontraram os delas, no momento em que ela já estava bem próxima, não fui capaz de evitar um tímido sorriso.
Por sorte ocorreu-me de olhar para Luciana, temendo que ela tivesse visto. Mas ela não prestava atenção em mim. Mesmo assim, receoso que o pouso de meus olhos no dorso nu de Marcela me excitasse e me deixasse numa situação extremamente embaraçosa, além de muito provavelmente provocar a ira de Luciana, abaixei a cabeça feito um garotinho tímido e envergonhado e procurei desanuviar meus pensamentos.
-- Agora vamos ter que limpar eles – disse ela ao tirar a outra ave da minha mão.
-- Eu fiz a minha parte – declarei. -- Agora ocês façam a de vocês.
De fato eu pescava e caçava, mas o preparo era tarefa delas.
Como fizeram da última vez, molharam as aves e levaram-na ao fogo para que as penas se soltassem com mais facilidade. Nisso, ocorreu a Marcela de sugerir que se usasse as cumbucas de coco para aquecer a água.
-- Eu sei que não vai ser fácil, mas a gente precisa fazer uma panela ou uma bacia que caiba bastante água – disse Marcela. -- Assim a gente pode encher ela de água quente e mergulhar elas. Aí vai ficar ainda mais fácil pra tirar a pena delas.
-- Mas como vamos fazer isso? -- perguntei.
-- A gente pega uma pedra e faz um buraco nela.
-- E com que a gente vai furar ela? -- quis saber Luciana. -- E quem vai aguentar pegar uma pedra grande? Isso não tem o menor cabimento.
-- Claro que tem. Não vai ser fácil, mas é só ir furando ela com cuidado. Depois é só modelar ela em volta. Aí ela não vai ficar tão pesada assim. A gente só precisava achar um pedaço de ferro que pudesse fazer uma ponta nele. Depois a gente usava um pedaço dessa barra de ferro para ir raspando nas beiradas. Não sei como faz direito, mas é mais ou menos assim. A gente poderia tentar. Não temos nada a perder.
-- Isso não vai dar certo. Vai ser pura perda de tempo – insistiu Luciana que talvez por ser a mais velha e a mais forte, arrancava com mais facilidade as penas.
-- A gente só vai sabê se tentá – disse Ana Paula.
-- É verdade! -- concordei.
-- Pois não conte comigo – tornou Luciana. -- Não vou mover uma palha pra ajudar.
Acabamos decidindo que no dia seguinte tentaríamos encontrar uma pedra que pudesse ser trabalhada e transformada numa espécie de bacia. Como em muitos pontos a ilha era formada por pedras, não seria difícil encontrar uma que atendesse às nossas necessidades.
A discussão acerca da pedra acabou trazendo à tona a questão da chapa de aço encontrada por Luciana. Voltou-se a discutir o que fazer com ela.
Havia o consenso de cortá-la para a confecção de vários utensílios. No entanto, a questão fundamental era a seguinte: como cortá-la. Luciana, que muitas vezes preferia não opinar, sugeriu usar o machado e foi acompanhada por Ana Paula, num dos raros momentos de concordância entre as duas. Marcela por sua vez sugeriu uma saída diferente. Disse para dobrá-la, bater sobre a dobra, desdobrá-la e tornar a dobrá-la até que ela se quebrasse. Diante dessa sugestão sugeri usar o machado como fizera Luciana e Ana Paula, mas então ela explicou porque não deveríamos fazer isso:
-- O que vocês acham que vai acontecer se a gente bater nela com o machado?
-- Cortar – apressou minha prima em responder.
-- Até pode, mas aposto com vai quebrar ele também. Aí nem uma coisa nem outra – explicou.
-- Tem razão. Não tinha pensado nisso – falei.
-- O machado já facilitou em muito as coisas pra gente. E olha que não usamos ele pra muita coisa ainda. Não podemos usar ele no mesmo material de que é feito. Ele vai quebrar. Mesmo que dê trabalho, a melhor forma de tirar um pedaço dessa chapa – Marcela estendeu o braço e a pegou – é como eu falei.
-- E o que a gente faiz primeiro? -- quis saber Ana Paula.
-- Sei lá. Pode ser uma faca maior e mais resistente que essa de pedra. Aí a gente consegue abrir melhor esses bichos – afirmou Marcela.
-- Também acho. Aí depois a gente tenta fazer uma colher ou um garfo – propus.
-- Deixa de ser idiota, garoto! Pra que colher e garfo? Daqui a pouco você vai tá querendo fazer pratos também. E pra quê? Me diz? Se não temos comida? -- indagou Luciana.
-- E o que ocê sugere então? -- perguntou Ana Paula com certa rispidez, talvez por não ter gostado de ouvir Luciana me chamar de idiota, embora eu, o ofendido, já não ligasse mais para isso.
-- Já que vocês estão querendo melhorar a nossa vida aqui, inclusive plantar comida, então sugiro fazer um serrote e uma enxada. Isso seria bem mais útil. Com o serrote dá pra serrar madeiras e construir uma casa decente e com a enxada pra capinar a terra pra plantar. Apesar de que não sei onde vocês vão arrumar o que plantar.
Houve um breve silêncio. Súbito porém, Marcela falou:
-- Luciana tem razão. Se a gente conseguisse fazer um serrote, a gente poderia construir um barco e sair dessa ilha.
-- É mesmo! Não tinha pensado nisso! -- concordei. E mesmo que não concordasse, muito provavelmente não seria capaz de admitir. Diante da minha paixão juvenil por ela, ela era como uma deusa, como alguém de cujos lábios só escapam a verdade.
-- Vocês estão loucos? Se com um barco daquele tamanho, todo equipado, nós já quase morremos afogados, com um barco sem bússola e motor é que não vamos muito longe. Mesmo que vocês façam um barco, eu não vou entrar nele. Pra quê? Morrer afogada? Virar comida de tubarão? Prefiro passar o resto da vida aqui. Aliás, tô muito bem onde estamos. Se aparecer alguém pra nos tirar dessa ilha bem, se não pra mim não faz muita diferença. Já me acostumei mesmo. -- Luciana falava como se a gente já estivesse há anos naquela ilha e não algumas semanas.
-- Até parece que ocê num qué sai daqui – retorquiu minha prima.
-- Pra mim não faz muita diferença mesmo.
-- Pois pra fim faz. Quero ir pra casa. E mesmo que a gente num construa um barco, alguém vai vim aqui e levá a gente embora – gritou Ana Paula, profundamente irritada. O clima de animosidade entre ambas desfizera-se completamente.
Marcela e Luciana acabavam de tirar as últimas penas das aves.
-- Então fique sonhando. Eu é que não vou. E acho bom pensarmos no futuro. Engravidar, por exemplo. Quero ter filhos pra cuidar de mim quando eu estiver velha. Não é porque estou presa nesse fim de mundo que não tenho vontade de ter filhos. Acho que toda mulher tem.
Ouvir Luciana voltar a esse assunto me causou um frio na barriga. Por alguns instantes achei que ela fosse falar que já estava grávida. Aliás, não sei porque ela não aproveitou a oportunidade. Parecia relutante. Tanto que cheguei a pensar: “Vai ver que é mentira dela! Ou ela ainda não tem certeza e não quer passar o vexame de contar e depois não ser verdade.”
-- A gente vai sair daqui sim – declarou Marcela.
-- Também acho – assenti.
-- E mesmo que a gente fique ainda um bom tempo aqui, não quero ter filhos. Só quando sair daqui.
-- Nem. Eu – disse Ana Paula.
-- Pois eu é que não vou ficar esperando – tornou Luciana, com certo desdem.
Novamente meu sangue gelou. Cheguei a cogitar em por um fim aquela conversa. Mas antes que eu dissesse alguma coisa, Luciana fitou-me de forma perversa e em seguida disse com uma certa satisfação:
-- Já tô até grávida.
-- Grávida? Como?-- perguntou Marcela se levantando, como se não acreditasse no que acabara de ouvir. Nisso, olhando-a vi seus olhos procurarem os meus.
-- É! Grávida – respondeu ela com um sorriso perverso nos lábios. -- Como? Me deitando com esse idiota aí – fez sinal com o rosto em minha direção.
-- Sua vadia – levantei-me e deixei a cabana com os olhos cheios de lágrimas.
Corri até o outro lado da ilha. E só parei quando minhas pernas não me obedeceram mais. Caí sentado na areia e chorei não sei por quanto tempo. A dor advinha não do fato de ter engravidado Luciana mas sim dela ter contado para Marcela e acabado com todas as minhas esperanças de vir a ser seu namorado um dia. No meu entender, Marcela jamais se envolveria comigo, pois, sabendo que ela gostava de mim, ainda sim fui me deitar com outra, engravidando-a. Uma mulher pode perdoar uma traição, mas um filho com outra é imperdoável.
Ali, sentado naquela areia macia e de frente para a imensidão do oceano, recriminei-me por meus atos. Embora não me recorde do que se passou pela minha cabeça, lembro de alguns fragmentos. E por mais de uma vez cheguei a dizer: “Bem feito! Eu sabia que isso ia acontecer. Deus te castigou pelo que você fez. Ele sempre castiga a gente quando cometemos um pecado. E me castigou por ter feito aquelas coisas com a Luciana e minha prima. Agora, quando eu morrer, minha alma não vai pro céu. Vai queimar no inferno. Por toda a eternidade. Ah, meu deus!” Então caí em prantos.
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