- Trrriiiiiiimmmm!!!
Assustado, Zeca olha o despertador: dez e meia.
- Caramba! Atrasado de novo!
Zeca tenta fazer as coisas rápido, para não atrasar mais, mas o corpo permanece em "slow motion". Castigo. Vai expiar a culpa de ter saído em noite de terça...
- Pega, amigo, pega...
Agora é a bateria do carro que arriou. Só faltava essa. A muito custo, consegue que o zelador do bloco venha lhe ajudar:
- Empurrar não posso, seu "dotô". Tenho "poblema" de coluna... Bico de papagaio, sacumé.
Que beleza de manhã... Empurrar não só o carro, como também o gordo do seu Tião.
Chegou ao banco às onze horas e dois minutos - menos mal. Mas cadê de achar vaga? Roda, roda... Onze e dez. Chama o flanelinha:
- Gente boa, dá para ficar aqui mesmo? - pergunta de retórica, pois, no meio da passagem, claro que não dá.
O flanelhina dá uma sonora tragada no cigarro sem filtro e analisa a paisagem em volta. Tudo demora.
- Olhaí, magnata... Você fechou tudo. Melhor deixar a chave comigo...
Deixar a chave com ele. Como se fosse manobrista oficial do pedaço.
Onze e quinze. Cede.
Corre, corre, corre... Senta, põe o crachá, abre a gaveta e o sorriso - o chefe, parece que não chegou ainda... Percebe uma presença atrás de sua cadeira.
- E então, Senhor José Carlos, esqueceu a reunião de oito e meia?
Ah, a reunião... Agendada há mais de quinze dias para a exposição da nova campanha. Todo o material foi preparado em conjunto com sua poderosa "ma non troppo" chefia, e está guardado em uma pasta, dentro da sua gaveta - trancada até às onze e dezessete desta manhã. Cronometradamente, duas horas e quarenta e sete minutos de atraso.
Não dá mais para adoecer sua pobre mãezinha, tantas foram as vezes que usou essa desculpa. Os filhos, este é um fato de domínio público, estão com a ex-esposa gastando o seu (dele) salário nas praias de Fortaleza. Só se... É isso!
- Seu Macedo, a minha empregada caiu e quebrou a perna, quando estava limpando o...
- Sua empregada ainda se chama Clotilde? - interrompeu o gerente.
- Sim senhor...
- Pois ela ligou aqui, por volta das nove horas, para lhe avisar que o filho dela está doente e ela estava na fila do posto de saúde. Disse que tentou ligar várias vezes para a sua casa, mas o telefone não atendia. Fato esse que pode ser atestado pela nossa telefonista que também tentou contactá-lo.
- É... Digo, assim...
- Chega. A não ser que o senhor vá sustentar uma tese de abdução, não diga mais nada. O material que preparamos, me entregue, sim?
Estendeu, trêmulo, a pasta ao gerente. Precisava de um café. Agora não dá, tem cliente chegando.
- Bom dia!
- Só se for para você e para esse seu banco de gente incompetente. Na hora de cobrar as tarifas, ninguém demora, ninguém titubeia. Záz! Limpam a conta. Agora, na hora de me pagar os juros do meu dinheiro...
E lá se vai ela, desfiando em alto e bom tom o seu rosário de reclamações; chamando a atenção dos clientes, dos colegas e, em especial, do gerente.
Nesse ritmo vai até às três da tarde, quando não dá mais conta de encher de café o buraco dentro do estômago. Vai almoçar ali perto, num self service qualquer, pegar os restos mortais do que foi servido hoje. Tudo frio e engordurado, mas não tem saída... Ou vai essa gororoba, ou um cachorro quente com refri. Depois da primeira garfada, pensou que pelo menos o cachorro estaria quente.
De volta ao posto, o prenúncio usual de azia é exterminado com um comprimido digestivo qualquer. Teve uma vez que o médico lhe disse que isso dava úlcera - mas azia a esta hora - hoje - é bem pior que qualquer úlcera.
Depois de fechadas as portas ao público, é hora de expediente interno. O gerente conseguiu remarcar a reunião para as oito e meia de amanhã. Sua última chance de acertar, esteja aqui às oito em ponto, ou desmarco a reunião e assino sua demissão.
Na sessão rádio-corredor, escuta que o banco está trocando seu pessoal velho por estagiários; que no acordo coletivo, o sindicato patronal levou a melhor: aumento de tarifa, sem aumento de salário; que a D. Emengarda, a polaca boazuda do prédio da frente, já deu para todo mundo - menos para ele.
Recebe um telefonema:
- Aí Zeca! Tá dentro hoje? Estamos armando de ir...
- Tô fora! - interrompe seca e bruscamente o Senhor José Carlos, Assistente da Gerência do Banco, pensando na reunião de oito e meia, para a qual ele deverá estar aqui às oito...
Silêncio no outro lado da linha.
- Mas onde é mesmo que vocês vão? - quer saber o curioso Zeca... E é o Zeca que vive fora das paredes blindadas desta tão modernamente decorada prisão.
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