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Contos-->Euzébio -- 02/08/2002 - 21:07 (JANE DE PAULA CARVALHO SANTOS) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Euzébio era um homem bom, pacato, trabalhador e cumpridor de seus deveres; só tinha um defeito: as mulheres... Diante delas, se rendia aos encantos e derretia. Não raro as conhecidas o evitavam, pois chegava a ser desconfortável ver o pobre Euzébio se desfazer em gentilezas e rapapés, em uma triste exibição pública, sem o menor amor próprio.

Para as outras coisas da vida, Euzébio era intransigente, chato mesmo. Morava sozinho e tinha sua rotina diária respeitada aos extremos: acordava às seis, comprava sempre o mesmo jornal e tomava na padaria, sua média com pão e manteiga, impreterivelmente às seis e meia.

Trabalhava em uma firma de contabilidade, no centro da cidade - há mais de vinte anos - e nunca se atrasou ou faltou ao serviço. Era meticuloso no exercício de suas funções - não admitia erros. Seria o funcionário perfeito, não fosse sua resistência ao uso da tecnologia. Para ele, computador era invenção de gente preguiçosa e incompetente, incapaz de usar uma calculadora; nada no mundo era mais confiável que a escrituração manual, quando efetuada corretamente. Seu patrão fazia vista grossa às reclamações dos colegas, pois o serviço de Euzébio sempre saia no prazo e a contento; foi mais fácil contratar um estagiário para informatizar seu trabalho, apesar dos protestos de todos - inclusive de Euzébio, que não julgava necessário um auxiliar.

Mas toda essa pose caía por terra quando o proposto era lidar com mulheres. No escritório, quando era para falar com ele, mandavam a secretária, então a tudo Euzébio cedia... Chegou-se uma vez a cogitar a hipótese de a secretária ensinar-lhe a manusear a planilha eletrônica, mas esta não suportou nem a idéia de passar todo um dia ao lado daquela melada criatura.

Por causa desse seu problema, evitava o contato pessoal com o sexo oposto. Pouco saía de casa, a não ser quando as necessidades físicas ficavam fora de controle, e ele era obrigado a buscar auxílio profissional nas zonas do baixo meretrício, onde geralmente era lesado, pois também as prostitutas eram mulheres e o fraco de Euzébio não fugia à regra.

Vivia assim o nosso amigo, sem muita noção de objetivos ou metas. Buscava, desde menino, o que buscam somente as pessoas que muito viveram e muito sofreram: tranqüilidade e sossego.

Aí, um belo dia, ela lhe apareceu. Uma moça linda, de cabelos cacheados, veio bater-lhe à porta:

_ Estou me mudando aqui para perto, serei sua nova vizinha, me chamo Adelaide. Pode me emprestar uma xícara de açúcar? Queria tanto tomar um cafezinho...

Euzébio se sentiu e agiu, como sempre se sentia e agia em companhia feminina: como um babaca. Suor frio a lhe escorrer pela testa, extremidades do corpo (todas) em polvorosa...

_ Café? Mas claro que eu faço para você, Adelaide... Mas que sonoridade tem seu nome, parece uma melodia. Já tive uma professora que se chamava assim, mas não era tão digna do nome como você, Adelaaaaaide....

_ O senhor não precisa fazer o café...

Inútil. Lá estava Euzébio enfurnado na cozinha à cata de delícias que satisfizessem o apetite de tão formosa dama, que lhe batia à porta daquela maneira faminta e sedenta... A moça, que não o conhecia, achou meio estranho tanta atenção, mas relevou... Ela só queria um café.

E Euzébio, lá de dentro gritava coisas indecifráveis cá de fora - é que ele, na ânsia de melhor servir, esquecera-se de conduzir a senhorinha para dentro do recinto, ficando a moça parada na porta, absolutamente sem ação.

Terminada a preparação do banquete, havia que se providenciar a apresentação. E Euzébio correu aos velhos armários à cata de uma toalha de mesa e porcelana fina para servir sua princesa... Mas a princesa, ou antes, Adelaide, cansada de esperar o tal café em pé, no capacho da porta, foi-se embora bater em porta de gente menos louca.

Euzébio, esbaforido, conseguiu achar inclusive um castiçal para a mesa posta. Correu para a porta e não mais encontrou a visão encantada.

Desesperado, pôs-se a gritar o nome de sua eleita, para até os confins do universo:

_ Adelaaaaide !!!

Mas Adelaide estava fora do campo de audição.

Euzébio, triste e macambúzio, supôs ter sido vítima de uma ilusão de seu coração necessitado. Talvez não tivesse havido Adelaide alguma em sua porta, ele é que precisava dos serviços das raparigas, mas as moças costumavam cobrar caro...
Não havendo outra solução, Euzébio foi recorrer às damas das revistas masculinas. Trancou-se no banheiro e desaguou sua aflição sobre os jornais espalhados pelo chão.

No dia seguinte, domingo claro e cheio de sol, foi à feira. No caminho, coisa estranha, não prestou atenção às domésticas com suas curtas vestimentas dominicais - pondo à mostra todas as curvas, nem às donas de casa com suas sacolas verdes e seus bobes na cabeça. Só pensava em Adelaide que, mesmo tendo sido só uma ilusão, enchia seu coração com uma nova onda de deslumbramento - até então desconhecida (mesmo no Euzébio).

As mulheres, que costumavam se esconder ao vê-lo, se sentiram preteridas. O Euzébio era uma espécie de injeção de ânimo no ego de todas - das belas e das não tão belas assim. Juntaram-se num pequeno grupo e decidiram por a limpo essa falta de cortesia por parte do único homem decente de toda essa vizinhança (no dia anterior, o pobre Euzébio não passava de um ser asqueroso e pegajoso).

Mas, eis que também havia ido às compras a bela jovem Adelaide. E Euzébio, ao vê-la, sentiu em sua alma a marca do amor sagrado, feita à ferro quente - indelével.

_ A - A - A ...

_ Que foi seu Euzébio? Tá passando mal? - perguntou o feirante, diante da gagueira inesperada.

_ A - A - A ...

_ Traz água pro homem, que ele vai ter um treco!

_ A - A - A - Adelaaaaaide !

_ Quem?!

_ A dama dos meus sonhos...

_ Êh, seu Euzébio... Qual mulher não é sua "dama dos sonhos"? O senhor se derrete até por freira.

_ O senhor não entende, seu Zé. Ela é especial, diferente de todas as mulheres que já vi.

_ Mostra quem é, pelo menos...

_ Ali, na barraca da D. Clotilde.

_ Tem muita mulher ali, seu Euzébio. Qual delas?

_ De verde, cabelos sedosos em cachos nas costas e com uma aura dourada em redor, vê? Ela se destaca na multidão, seu Zé, como pode confundi-la?

_ Aura dourada?! Seu Euzébio, o senhor tem um problema...

Não ouviu mais o amigo. Seguiu até a visão encantada da doce amada, flutuando em brumas - estava apaixonado.

_ Doce donzela de intenso brilho... - falou para Adelaide.

_ Hã?!

_ Não quis esperar pelo repasto, minha dama? Devia ter coisas mais importantes a rondar essa bela cabecinha e...

_ Repasto?! Ah! O cara do café... Olha, me desculpa, é que você saiu sem me dizer se iria trazer ou não o café...

_ Traria para minha musa, até o néctar dos deuses se assim ela desejasse...

_ O senhor não está bem? Tomou muito sol na cabeça?

_ Ele é assim mesmo, moça - interveio D. Clotilde - se desfalece por qualquer rabo de saia.

_ D. Clotilde, mesmo respeitando e admirando sua bela condição de fêmea, - aborreceu-se o apaixonado - devo lhe dizer que não admito que me desconsidere assim diante de tão formosa dama. Por favor, queira se retratar.

_ Mas você nunca se importou... Se bem que hoje, nem reparou na tiara nova que coloquei nos cabelos. Pensei em você na hora que estava me penteando, sabia? Pensei assim "puxa quando o Euzébio me vir com essa tiara dourada, vai dizer que estou como a rainha da Inglaterra"...

_ Não sei por que pensava em mim, se a senhora é muito bem casada. E que tenho eu a ver com seus cabelos? Se a senhora se sentiu coroada, seria somente por que atravessa a idade de já ser a própria "coroa".

Surpreendeu-se. Nunca tinha sido capaz de qualquer indelicadeza com uma mulher, fosse quem fosse, ao contrário, esvaía-se em gentilezas.
Adelaide estava mexendo com uma parte de si, que nem as capas da playboy haviam sido capazes.

Dona Clotilde, ferida em seu orgulho, foi chamar o marido para tirar satisfações. No caminho, encontrou o grupo de mulheres que estava se armando para procurar Euzébio. As mulheres, ao ouvirem a versão da pobre senhora ofendida, se sentiram magoadas coletivamente e decidiram por acompanhá-la, mesmo por que, o marido da infeliz teria condições de descer o porrete no homem mais desrespeitador daquela vizinhança.

Enquanto isso, Euzébio tecia os maiores elogios à sua amada, na esperança de convencê-la a tomar o tal café. Adelaide se divertia muito com a confusão causada pelo apaixonado, que agora, numa cena teatral, se punia por nunca ter aprendido a tocar nenhum instrumento musical, o que o impedia de fazer uma serenata agora.

_ Que tipo de música minha donzela gostaria de ouvir? Nunca é tarde para entrar num conservatório e aprender a tocar harpa. Como lhe soaria uma serenata de harpas ao luar, doce idolatrada do meu bem querer?

Adelaide sorria, agora sentada em um caixote de maçãs, pois tal dama não podia se manter de pé por muito tempo, macularia seus pés e pernas tão belos...

A comitiva feminina se dirigia à cena do crime, acompanhada do marido de D. Clotilde, sonolento e aborrecido por ter que sair de casa em pleno domingo de manhã e sem entender muito bem o porquê daquilo tudo.

No caminho, o marido de D. Clotilde sentiu necessidade de repor as energias e parou no boteco do Mané. D. Clotilde, fula da vida, tentava reaver o trunfo para sua vingança contra aquele verme que a chamara de "coroa":

_ Antônio, por favor ! Não é hora de beber. Sua esposa foi atacada e você fica aí, assim?

_ Atacada, Clotilde? Não foi só palavreado, aquele safado mexeu com você?

_ Mexeu assim... Modo de dizer. Mas o que ele falou não se fala para uma mulher casada!

_ Tá mulher. Vai indo, que eu vou resolver um negócio rápido com o amigo Manoel e já vou também, certo?

_ Antônio! Eu não posso chegar lá desacompanhada. Seria mais um motivo de ser massacrada.

_ Então senta e espera.

E a comitiva, que assistia inerte à discussão, resolveu por seguir sozinha mesmo. O canalha do Euzébio não seria capaz de outra infâmia diante de tantas testemunhas. Clotilde ficaria para acompanhar o marido?

_ Esse inútil? Claro que não. Vou com vocês.

Mas ao lá chegar, as senhoras indignadas foram surpreendidas com o pobre apaixonado envergado, a limpar o chão no qual sua amada iria andar, usando para tal nada menos que os próprios cabelos.

_ Euzébio?!

_ As senhoras poderiam fazer o favor de chegar um passinho para esquerda? Preciso terminar de limpar a estrada de minha deusa.

_ Quem é essa sirigaita? - perguntaram em uníssono os membros da comitiva.

_ Eu sei quem é ! - gritou D. Clotilde, como a exibir um troféu, pois agora era a mais bem informada de todas.

_ Como ousam se referir dessa forma a mais bela criatura que jamais pousou nesse ninho de cobras?

_ Cobras?! Éramos suas musas...

_ Não ofendam minha amada e não as ofenderei.

Adelaide começou a achar perigoso o jogo em que se metera, achou por bem se retirar, antes que a coisa esquentasse mais.

Euzébio, ao vê-la partir pelo lado que não havia limpado ainda, correu à frente da amada, pôs novamente a cabeça no chão e prosseguiu limpando. Como a feira estava cheia, ia empurrando com o traseiro os indesejáveis transeuntes que atrapalhavam o caminhar da donzela.
Adelaide, que já não achava divertido aquele homem andando de costas com a cabeça esfregando o chão, achou um espaço e fugiu correndo daquele hospício.

_ Minha amada! Volte e eu lhe darei as estrelas do céu para lhe adornar os cabelos ! Volte minha musa!

Desolado, com os cabelos cheios de lama e cascas de legumes, com formigas andando em seu rosto e sem saber para que lado a eleita de seu coração havia ido, Euzébio sentou-se no chão e chorou.
As mulheres em comitiva, que não suportavam ver um homem chorar, se apiedaram.

_ Pobre Euzébio...

_ Você não pode se entregar assim para primeira que aparecer, homem. Você nem conhece ela direito...

_ Eu a conheço melhor que qualquer outra coisa no mundo... Eu nasci quando a vi e agora estou morrendo de vê-la partir... - respondeu o sofredor.

_ Veja só o que essa mulher fez a você...

_ Fez de mim o homem mais feliz do mundo! E não ousem me contradizer!

Não havia mesmo jeito. O homem havia pirado. Seu Zé, que da sua banca apreciava de longe o desenrolar da situação, entrou na conversa.

_ Vamos levar o coitado para casa. Ele só precisa de um banho frio. Amanhã voltará a ser o mesmo babaca de sempre.


Em casa, lhe banharam e lhe vestiram ( Seu Zé, claro. As gentis senhoras não poderiam vê-lo desnudo, ora que indecência!). D. Clotilde trouxe de casa um guisadinho e outras senhoras também trouxeram quitutes.

Euzébio nada comeu. Os olhos vidrados no nada, aparência de zumbi... Estava assustando as pessoas.

_ Melhor chamar um médico...

_ Ele parece que está é possuído...

_ Chama o Pai Joaquim, que ele resolve qualquer problema.

Mas nem médico, pai de santo, ou os chazinhos de D. Clotilde puseram fim ao sofrimento do rapaz. E, pela primeira vez, Euzébio não foi trabalhar.


_ Será que ele morreu? - perguntaram os colegas da firma ao chefe.

_ Vira essa boca para lá! Deve ter acontecido alguma coisa de muito grave. Manda a secretária ligar para casa dele.

E ela ligou, mas não respondiam do outro lado da linha. O chefe ficou realmente preocupado, resolveu visitar seu funcionário e o encontrou em frangalhos, estendido na cama, com o mesmo olhar de zumbi. D. Clotilde, que fazia as vezes de enfermeira, explicou o ocorrido e pediu desculpas pelo Euzébio, por não ter ido ao serviço.

_ Uma noite com as quengas e ele volta ao normal. - falou o chefe, se levantando para sair -
Volto de noite para levá-lo.


De noite, quando o chefe voltou, foi impossível colocá-lo em movimento, a situação havia se agravado.

_ Veja, seu moço. - D. Clotilde punha o chefe à par das novidades - Só levanta da cama para mijar, mas não fala nada... A muito custo tomou um pouco da canja que fiz.

_ É, desse jeito logo terá que ir para um hospital...

_ Chamamos o médico, assim que ele caiu prostrado...

_ E o que ele receitou?

_ Um psiquiatra.

_ A senhora vai ficar aqui até mais tarde?

_ Não, já estou indo embora. Tenho que dar janta para o meu marido. Por que?

_ Vou mandar um servicinho para ele à domicílio. Se Maomé não vai à montanha...

E, mais tarde, também a mulher de vida (nada) fácil obteve qualquer progresso.


As senhoras da vizinhança andavam irritadiças, nervos à flor da pele. Os cônjuges não tinham mais sossego com as esposas a exigirem tanta atenção. E no boteco do Mané, buscavam trégua para tanto olho em cima deles. E reclamaram, reclamaram. Mas o que havia sido o ponto inicial disso tudo?

_ Acho que é a falta do pateta da esquina - se intrometeu a "Marião", moça que não se importava com Euzébio por que, assim como o gajo, também apreciava o sexo frágil.

Os cavalheiros tiveram que concordar, depois que Euzébio adoeceu por caisa da moça nova, ninguém teve mais sossego.

_ A gente precisa dar um jeito nisso.

Adelaide andava sumida, tinha resolvido dar um tempo na casa de uns amigos até a coisa se acalmar. Mas, já estava de volta, pois não sabia o que havia ocorrido ao pobre apaixonado, achava que ele havia lhe esquecido e a vida tinha voltado ao normal. Naquela hora, inclusive, estava dando uma voltinha na praça, pegando a fresca da noite.

Do boteco, os maridos a viram e saltaram para tentar persuadi-la, afinal era aquela a única criatura capaz de por ordem novamente em seus universos de subúrbio. Adelaide ficou, então, sabendo do estado sorumbático de seu admirador e se sentiu penalizada. Mas também tinha medo da dimensão da loucura do rapaz, poderia sair prejudicada disso tudo, com um louco no seu encalço.

_ E você deixaria o pobre coitado morrer de amor por você?

Pegaram pesado, mas bateram na tecla certa. Adelaide concordou e resolveu ir ter com Euzébio. Os maridos quiseram ir junto, mas Adelaide recusou a companhia:

_ Esse é um problema que tenho que resolver sozinha.


Euzébio estava na cama, no mesmo estado que haviam narrado a Adelaide - um trapo.

_ Oi, cara... Vim tomar o seu café.

O doente de amor, num salto olímpico, pulou da cama e prostrou-se aos pés da amada.

_ Calma, cara! Eu vim só para o café.

_ Café para minha deusa.

Correu à cozinha, mas dessa vez teve o cuidado de carregar a donzela para perto de si, não correria o risco de pensar ter se iludido, outra vez.
Não foi difícil elaborar um belo cardápio para sua musa, as senhoras do bairro haviam deixado bastante provisões "para quando ele tivesse fome", tudo em quantidade suficiente para dois - ou mais. Na mesa posta, o belo castiçal e, obviamente, café.

Euzébio deixou a sala à média luz, colocou uma sinfonia na vitrola e conduziu a dama ao seu lugar na mesa.

Estava estranhamente calado, não dizia as loucuras habituais, e isso agradava Adelaide; a música a fazia mais leve e os doces estavam muito bons. A noite, que estava quente ao sair de casa, chegava agora a uma temperatura agradável, apesar das janelas fechadas.

Euzébio a olhava com olhos de poeta embevecido e isso excitava Adelaide, que não temia mais nada.

_ Minha deusa está satisfeita?

_ Para de me chamar assim...

_ Como quer que eu a chame?

_ Adelaaaaide...

Euzébio entendeu o recado, a moça o havia chamado.
Foi a mais bela noite de amor da vida de ambos; ela nunca havia recebido tanto, ele nunca havia dado tanto. Tanto que transbordou, e inundou a casa, o mundo, o universo. Tanto que ela também deu amor e ele o recebeu como a um tesouro - o mais bem guardado, o mais valioso.


Acordaram na manhã mais ensolarada e com o céu mais azul, como jamais haviam visto. Desta vez ela preparou o café e ele se sentiu o próprio Zeus, no monte Olimpo, cercado de ninfas.
Saíram os dois para o trabalho, como enamorados, abraçados e entre beijos - ruborizando a vizinhança.

As pobres senhoras, ao verem tal cena, voltaram para seus lares e para seus inúteis maridos - a lhes perseguirem a vida.

O chefe, ao vê-lo restabelecido, deu suas congratulações. Os colegas da firma queriam saber de sua prostração, sobre a moça que o havia derrubado dessa forma.

_ Ela é boa mesmo?

Euzébio não respondeu. Levantou-se e foi à sala da secretária.

_ Dona Lúcia, a senhora pode me ajudar?

_ Ih, Seu Euzébio... Pode parar de querer coisas comigo, o senhor sabe que eu sou noiva. Não é por que o senhor estava doente que eu...

_ Dona Lúcia, eu só quero ajuda.

_ Em que?

_ Pode me ensinar a usar a tal planilha eletrônica?

Aturdida com a resposta, a secretária concordou e o resto do escritório foi fazer platéia para o fato mais impossível do mundo moderno:

_ Seu Euzébio vai mexer no computador!


Adelaide, quando saiu do serviço, passou em casa para pegar suas coisas e pagar o senhorio.

_ Vou me mudar de novo.

E tocou com a mudança para a casa do amado, que já a esperava aflito, no portão.

A mobília da amada foi disposta pela sala e se encaixou como uma luva. Euzébio, discretamente pôs sua coleção da playboy no lixo e o telefone das amigas da zona foi queimado com os cigarros no cinzeiro.


Euzébio, hoje em dia, é pai de duas lindas meninas e a família mora numa casa maior, mas no mesmo bairro; o rapaz nunca mais foi visto aos galanteios com ninguém mais que sua esposa Adelaide.

Entredentes, as gentis senhoras vizinhas maldizem o casal. Os maridos nunca foram tão perseguidos e vigiados - a visão do casal feliz é cruel para todos.

Marião, do boteco do Mané, às vezes filosofa para quem quiser ouvir:

_ É... Veja lá, senhor Manoel. Todo mundo desdenhava, ninguém botava fé; o coitado vivia pelos cantos sendo humilhado... Agora, a situação se inverteu... Diga meu patrão, quando é que vai chegar a minha "Adelaaaaaide"???

jane_de_paula@yahoo.com



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