Homero havia perdido a conta das vezes que sentara junto a barranca do rio para contemplar o pôr-do-sol. Fazia muitos anos que essa era a sua rotina quando a tarde caía. Não era mais um pescador, embora tivesse uma saúde de ferro, às vezes faltava força no braço. Era apenas um avô sem netos e um pescador que não pescava. Contentava-se com o brilho do sol sobre o rio e os afazeres dos pescadores novos com seus barcos.
Enquanto uma balsa deslizava mansamente sobre as águas barrentas do rio o reflexo do sol iluminava a face de Homero. Os tons laranjas do dia deixavam Homero mais triste. Uma face triste e pensativa na barranca. Um ser imóvel com o olhar perdido nas águas do rio. De vez em quando, muito raramente, Homero arriscava uma linha de mão.
Embora fora das lides de pescador Homero começava cedo seu dia, tinha o hábito de levantar junto com o canto do galo. Muito antes de o sol nascer. Colocava lenha no fogão e aquecia a água para o mate.
Também gostava de uma prosa na venda do Honório, embora ouvia mais do que falava. Era de pouca conversa mas tinha os ouvidos atentos quando o assunto era política. Sentado em um banco tri-pé, pitava calmamente o seu palheiro a espera de um passado que jamais voltaria. Vez por outra seus pensamentos viajavam e Homero se perdia no tempo. Até que alguém o trazia de volta. - Oh! Seu Homero!
A venda do Honório, como era conhecida, era o ponto de encontro do povoado, onde as notícias corriam soltas.
Mas quando o dia ia ao encontro da noite, Homero começava seu ritual para se deslocar ao seu lugar cativo na barranca. Pegava seus “três dedos” de canha com mel e ficava naquele torrão fronteiriço, sentado, meditativo e triste. O pensamento vagueava e o seu olhar se consumia com o sol-pôr. Homero era uma pessoa triste e tinhas seus motivos. Antigos motivos.
Dona Tereza também era uma pessoa de poucas palavras e muitos afazeres domésticos. Enquanto o marido estava na barranca fazendo companhia ao rio ela ia para capela e lá rezava seu terço. Homero e Tereza nunca tiveram filhos estavam envelhecendo junto com a solidão e com os anos.
Nunca precisou perguntar o porquê de Homero ficar na barranca sentado e olhando para rio por anos a fio todo santo dia. Até nos dias mais frios desse inverno tenebroso Homero estava lá olhando as águas do rio no abrigo de seu poncho cor da noite. Só faltava ao encontro com a barranca quando o aguaceiro era muito forte. Aí dona Tereza rezava para Santa Bárbara.
Dona Tereza não precisava perguntar... ela sabia.
Certo dia seu Honório, que tinha quase a mesma idade de Homero, juntou-se com o velho pescador na barranca.
- É, Homero, a nossa vida é dura e sofrida.
- Muito dura e muito difícil, compadre.
- Foi aqui nesse local que...
- Aqui mesmo Honório, aqui mesmo...
- Há quanto tempo Homero?
- Trinta e quatro anos, Honório, trinta e quatro anos. E eu lembro como se fosse hoje. Como o tempo passa ligeiro!
- O Uruguai transbordou...
- A enchente veio levou a Clara e os dois guris. O Antonio tinha cinco anos e o Arnaldo quatro. Nunca mais soube do paradeiro deles. Foi terrível. Nunca mais vi uma enchente como aquela. Nunca mais tive alegria. Nunca mais senti outras saudades.
Homero tinha o olhar fixo na lâmina do sol refletida na água do rio Uruguai. Honório observou que o amigo ainda chorava a morte de sua primeira esposa e de seus dois filhos.
- É a vida, Homero, a vida. - e se retirou em silêncio.
Homero empinou de uma só vez o que ainda restava de sua cachaça com mel e teve vontade de atirar-se ao encontro do rio. Ir em busca de um passado distante e trágico. Dar um fim na saudade que doía como uma punhalada.
Somente as águas do rio Uruguai poderiam acabar com sua dor.
- Estou atrasado trinta e quatro anos. – murmurou para si. Decidido, jogou-se na água.
Seu corpo também nunca foi encontrado.