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Infantil-->Conversa de pombo ( página refeita ) -- 15/05/2002 - 08:42 (CARLOS CUNHA / o poeta sem limites) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos





















Conversa de Pombo











Seus nomes eram: João, Gilmar e Confúcio-pombo.
Os dois primeiros, que eram os pombos mais idosos da colônia pombal existente naquela repartição pública, mais um pombo visitante, estavam sentados em uma viga do patamar, e arrulhando discutiam sobre o trabalho que pelos homens ali era realizado.
João-pombo dizia preocupado:

- Caro Gilmar, isso vai acabar deixando muitos de nós sem local para os nossos ninhos.

Pombo-Gilmar respondia compassivo:

- Deixa não. Se for e quando for necessário, faremos a nossa colônia em outro lugar.

- Só que eu duvido que dali saia algo.

- Eu conheço aqueles, e ao trabalho daqueles, que ali trabalham.

E parararí-pororó/pararí-porirí, eles arrulhavam, arrulhavam...
Continuava o pombo-Gilmar:

- São milhares os que são como eles são; prepotentes/parasitas/incapazes.

João-pombo diz exasperado e com preocupação:

- Ai está á razão e a raiz do perigo! Prepotentes/parasitas/incapazes, mas todos eles são caçadores-inimigos dos pombos.

Trazendo censura, agora em suas palavras, volta a falar o Pombo-Gilmar:

- João você faz muito mal em falar assim do seu chara humano, seja por ele ser um homem ou ainda se é só por não gostar dele. Ele é velho, palhaço e cansado, mas é um homem um homem inofensivo. Com o que você diz, assusta o nosso irmão-pombo que nos visita.

E Confúcio-pombo arrulhava. Calado, em seu silêncio ele nada dizia. Só arrulhava, arrulhava...

- Ele é visita mas tem de saber a verdade do que ocorre, contradiz João-pombo cheio de razão e certo de ser ele o certo. Esse homem ser inofensivo é uma inverdade. Ele é ofensivo e agride a nós os pombos. Não é por ele ser um homem, que eu desprezo esse João-funcionário ou aos seus colegas. É porque ele não gosta de nós, os pombos!

João Pombo calou-se um pouquinho, mas antes que alguém dissesse algo voltou a falar:

- Vá pombo Gilmar! Os caçadores-inimigos dos pombos são assim: Humanos comuns, sem amor e sem respeito pelos animais e por eles próprios. Muitos são os humanos que tem os mesmos nomes que nós os pobres pombos também temos, mas poucos, muito poucos são os homens que amam a nós os pombos.

Confúcio, que como mostrava o seu nome era um pombo sábio, a tudo e a todos olhava com o seu olhar assustado; um pombo, participante calado, em uma conversa de pombo. Ele compreendia, era sabedor da diferença entre um humano inimigo-caçador de pombos e daquele que é um amante de pombos. Essa era a razão pela qual, mesmo sem conhecer ás pessoas a quem olhava sentia medo delas. Com triste pavor, arrulhava no seu silêncio uma oração pelos irmãos pombos e pelos homens que aos pombos amavam. De repente ele disse filosoficamente e com á sabedoria de um pombo sábio, as suas primeiras palavras na conversa:

- É, só o amor pode dar proteção aos homens, à beleza e aos pombos.





CARLOS CUNHA
O Poeta sem limites

























Arquivo do Poeta / Na mata tem saci



Na mata tem saci

Lá na mata tem saci. Tem sim, lá no fundo, mas bem lá no fundo onde quase não vai ninguém eles moram felizes. Ninguém acredita porque nunca viu. Também, uma coisa dessas pra acreditar é só vendo.


Quando era menino eu dava risada dos outros garotos que acreditavam na existência deles.
Que eles eram negrinhos de uma perna só que viviam, fazendo molecagens e malvadezas, pelas fazendas e sítios ao redor da mata.
Eles falavam que os sacis colocavam fogo na safra de feijão, davam nó no rabo dos cavalos, quebravam cercas para que os animais fugissem, e mais mil peripécias que eu pensava que só eram lendas.


Foi já adulto, depois de ter passado pela minha infância e a adolescência descrente de coisas assim, que tive de dar crédito e aceitar a existência dos sacis.
Como eu falei, essa coisa de saci é só vendo pra crer.
Pois eu vi e me tornei um grande amigo de um, o PTOLOMEU.


Ele me explicou que saci só é visto pelos olhos dos humanos quando assim ele deseja e por isso que mesmo as pessoas que já entraram na mata e foram até onde eles moram nunca os viram.
Contou-me sobre ele e o motivo que o havia levado a sair da mata.
Disse estar se sentindo muito sozinho, que precisava de um amigo e por isso tinha aparecido para mim.
Um saci diferente, mas era um saci e eu tive de acreditar que eles existiam.


Eu estava no meu barraco, preparando uma caipirinha, e quando fui pegar o limão, que já havia cortado, ele não estava sobre a mesa.
Eu não acreditei. Tinha acabado de cortá-lo, ido até o armário apanhar açúcar e quando volto, ele não estava mais lá.
Coisas estranhas estavam acontecendo em meu barraco há algum tempo e eu já não entendia nada.
Procurava a escova de dente e não a encontrava.
Quando eu ia pegar uma corrente no porta-jóias
eu encontrava a escova lá dentro.
Ia pegar um ovo na geladeira e lá eu não encontrava nenhum.
Eu tinha certeza que havia comprado ovos àquela semana.
Percebia então que a frigideira que deveria estar guardada no armário estava sobre o fogão e que havia uma suculenta omelete nela.
Meu Deus, ou eu estava enlouquecendo ou o meu barraco estava assombrado. Eu não entendia mais nada.


- Há, há,há,há...

Ouvi uma sonora gargalhada e olhei em direção da janela, que era de onde ela vinha.
Sim eu tinha ficado louco, tive certeza disso quando o vi pela primeira vez.
Sentado no beiral da janela estava um negrinho.
Uma miniatura de malandro carioca, vestido com um minúsculo terno vermelho e trazendo na cabeça um chapéu da mesma cor.
Sentado com as pernas cruzadas, se ele estivesse de pé não teria mais que dez centímetros de altura.

- Você não está louco não, ele falou com uma voz que tinha o mesmo timbre da gargalhada que havia dado.

Eu sem conseguir falar, de tão assustado que estava, pensei:

"Meu Deus, o que é isso, estou tendo alucinações?"
"Será que é resultado do porre que eu tomei ontem?"

Como se eu tivesse feito perguntas em voz alta, ele respondeu o que eu somente pensara:

- Foi não cara, não é resultado do porre nem você está maluco.
- Eu sou real. Sou um saci que saiu lá da mata e estou me sentindo muito sozinho.
- Resolvi aparecer pra você para ver se a gente ficava amigo.

Eu consegui falar:

- Saci, pequeno desse jeito?
- Você está com as pernas cruzadas e eu sempre ouvi falar que saci tem uma perna só.

- Você já viu saci, ele respondeu?
- Alguém já viu saci pra dizer o tamanho que ele tem?
- Quanto às pernas você tem razão, saci tem uma perna só e foi por isso que eu sai lá da mata.

E ele me contou a sua história:

"Lá na mata tem uma comunidade, perto de um grande bambuzal, onde vivem os sacis.
Todo o saci que nasceu, desde que há saci na mata, foi com uma perna só.
Eu fui o primeiro, e único, que nasceu com duas pernas.
Os outros sacis viviam caçoando e me passando trote, dizendo que eu era anormal, não me aceitavam e não gostavam de mim.
Eu não gosto de fazer malvadeza e essa foi uma outra razão para não me aceitarem como um deles.
Por isso eu resolvi deixar a mata e vim pra a cidade.
Troquei o meu gorro por um chapeuzinho chapado e mandei fazer este terno, pois não podia andar só de calção vermelho aqui na cidade."


PTOLOMEU mora comigo agora e tem sido um grande companheiro.
Ele é um saci comportado, um bom amigo e dono de um grande coração.
Lá na mata tem saci, eu não acreditava até que o PTOLOMEU contou pra mim.





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